Extensão, Autoconhecimento e Temas Transversais
Extensão, Autoconhecimento e Temas Transversais
Cassia Cristina Silvestrini[1]
RESUMO: Este capítulo apresenta a atividade extensionista A Jornada das Virtudes, fundamentada na Abordagem Integrativa Transpessoal, que integra razão, emoção, intuição e sensação no processo de autoconhecimento e desenvolvimento humano integral. O objetivo da proposta foi articular vivências práticas em torno de três virtudes, gratidão, humildade e perdão, entendidas como temas transversais, de modo a ampliar a formação acadêmica para além da dimensão técnica, incluindo aspectos existenciais e relacionais. A experiência consistiu em propor aos estudantes práticas simples, como o registro da gratidão, a realização de gestos de humildade e a escrita de cartas de perdão ou autoperdão. Os feedbacks qualitativos recebidos indicaram que tais vivências favoreceram sentimentos de leveza, alívio emocional e fortalecimento de vínculos, além de estimular reflexões sobre empatia, solidariedade e autoconfiança. Embora não se trate de pesquisa formal com mensuração de resultados, os relatos sugerem que as práticas extensionistas têm potencial para contribuir com a promoção da saúde mental, da resiliência e da convivência colaborativa. Conclui-se que iniciativas desse tipo estão alinhadas à Resolução CNE/CES nº 7/2018, que estabelece a extensão como parte indissociável do ensino superior, e reforçam a relevância das instituições de ensino superior na formação integral do estudante e na construção de uma sociedade mais justa e empática.
PALAVRAS-CHAVE:Virtudes; Gratidão; Humildade; Perdão; Abordagem Integrativa Transpessoal.
1. Introdução
A extensão universitária, como parte indissociável do tripé ensino–pesquisa–extensão, ocupa um papel essencial na formação acadêmica. Por meio dela, os estudantes vivenciam experiências que ultrapassam os limites da sala de aula e dialogam diretamente com a realidade social. Diferentemente de atividades puramente teóricas, a extensão promove a integração entre saberes, práticas e valores, permitindo que o conhecimento seja construído de forma compartilhada e transformadora.
No contexto da educação superior, as atividades extensionistas têm o potencial de articular não apenas conteúdos técnicos e científicos, mas também dimensões subjetivas e relacionais da vida. Nesse sentido, o autoconhecimento emerge como um eixo transversal que atravessa todo o processo formativo. Ao refletir sobre si mesmo, sobre suas emoções, valores e modos de se relacionar com os outros, o estudante amplia sua consciência e fortalece competências socioemocionais indispensáveis para sua atuação profissional e cidadã.
A Abordagem Integrativa Transpessoal, desenvolvida por Vera Saldanha, oferece um referencial teórico consistente para fundamentar propostas extensionistas que favorecem o autoconhecimento e o desenvolvimento humano integral. Ao integrar razão, emoção, intuição e sensação, essa abordagem compreende o sujeito como um ser em constante movimento evolutivo e capaz de acessar estados ampliados de consciência. Nessa perspectiva, o autoconhecimento deixa de ser apenas um processo individual e passa a ter impacto social, pois promove relações mais saudáveis, éticas e empáticas.
É nesse horizonte que se insere a atividade extensionista A Jornada das Virtudes, que propõe vivências práticas em torno de três virtudes: gratidão, humildade e perdão. Trabalhar tais virtudes na extensão universitária significa ampliar a formação acadêmica para além da dimensão técnica, incluindo a dimensão existencial e ética do ser humano. Este capítulo apresenta elementos da fundamentação teórica da abordagem integrativa transpessoal, descreve a atividade realizada e argumentasobre as contribuições das virtudes como temas transversais na educação superior, evidenciando sua relevância tanto para o desenvolvimento pessoal quanto para a construção de uma sociedade mais justa e empática.
Além disso, a Resolução CNE/CES nº 7, de 18 de dezembro de 2018, estabelece que os cursos de graduação devem assegurar, no mínimo, 10% de sua carga horária total em atividades extensionistas, integradas à matriz curricular. Essa normativa reforça a centralidade da extensão como espaço formativo, social e transformador, ao promover a articulação entre ensino, pesquisa e realidade social. Nesse cenário, a atividade A Jornada das Virtudes responde a essa diretriz, ao oferecer aos estudantes vivências que unem conhecimento, valores e cidadania.
2. A Abordagem Integrativa Transpessoal como Fundamento
A Psicologia Transpessoal surgiu como um movimento ampliador dentro das ciências psicológicas, ao reconhecer que a experiência humana não se limita às dimensões cognitivas e emocionais, mas abrange também aspectos espirituais, intuitivos e de expansão da consciência. O termo transpessoal foi utilizado pela primeira vez por Carl Gustav Jung, em 1916, para indicar experiências que transcendiam a personalidade e abriam caminho para dimensões mais amplas do ser.
Na década de 1960, esse campo ganhou força no meio acadêmico norte-americano, quando Abraham Maslow, então presidente da American Psychological Association, oficializou a Psicologia Transpessoal como a “quarta força” da psicologia, ao lado das abordagens comportamental, psicanalítica e humanista. Essa nova perspectiva buscava integrar razão, emoção, corpo e espiritualidade, reconhecendo o ser humano em sua totalidade e valorizando experiências de autorrealização, criatividade, transcendência e expansão de consciência.
No Brasil, a Psicologia Transpessoal encontrou terreno fértil, especialmente a partir das contribuições de Vera Saldanha. A autora sistematizou a Abordagem Integrativa Transpessoal (AIT), que reúne fundamentos científicos, filosóficos e espirituais para compreender o ser humano como uma totalidade dinâmica. A AIT propõe integrar razão, emoção, intuição e sensação como pilares da experiência psíquica, favorecendo processos de autoconhecimento, resiliência e transformação interior.
2.1. O Aspecto Dinâmico da Abordagem Integrativa Transpessoal
A Abordagem Integrativa Transpessoal compreende o ser humano como um sistema em movimento contínuo, que busca equilíbrio entre suas dimensões internas e externas. Esse dinamismo é explicado a partir de dois eixos principais: o Eixo Experiencial e o Eixo Evolutivo.
O Eixo Experiencial está ligado à vivência imediata do sujeito, aquilo que ele sente, percebe e experimenta em seu cotidiano. Envolve razão, emoção, intuição e sensação (REIS), que atuam de forma interdependente:
- Razão: está associada à organização do pensamento, ao raciocínio lógico e à capacidade de análise. Favorece clareza, discernimento e planejamento, permitindo compreender experiências e tomar decisões mais conscientes.
- Emoção: refere-se às respostas afetivas e sentimentais diante da vida. É por meio dela que a pessoa reconhece seus estados internos, conecta-se com os outros e encontra motivação para agir. Quando integradas, as emoções promovem equilíbrio e autenticidade.
- Intuição: corresponde ao conhecimento imediato e não racional, que emerge em forma de insights, pressentimentos e percepções sutis. Amplia o campo de consciência e possibilita acessar uma sabedoria interior.
- Sensação: diz respeito às impressões captadas pelos sentidos e à relação com o corpo. A sensação ancora o sujeito no momento presente, favorecendo a percepção da realidade concreta e possibilitando a integração da experiência vivida.
Essas quatro dimensões, articuladas no Eixo Experiencial, permitem que o sujeito registre, elabore e dê sentido à própria existência.
Já o Eixo Evolutivo, por sua vez, corresponde ao movimento de expansão da consciência e de desenvolvimento em direção a valores superiores. Representa a busca por autotranscendência, espiritualidade e integração da personalidade. É nesse eixo que se manifestam processos de amadurecimento, fortalecimento da identidade saudável e despertar do Self, entendido como a dimensão mais ampla e integradora do ser.
A integração entre os dois eixosé fundamental para o crescimento humano. Quando o sujeito elabora suas experiências imediatas e, ao mesmo tempo, as orienta para a ampliação de consciência, estabelece equilíbrio entre razão e sensibilidade, entre vivência prática e transcendência. Esse processo permite a emergência de novos significados mais coerentes com os valores essenciais da vida, promovendo saúde emocional, resiliência e desenvolvimento integral.
Na perspectiva da AIT, a escrita terapêutica constitui um recurso de autoconhecimento que estimula diretamente o REIS (razão, emoção, intuição e sensação), sendo considerada um dos recursos técnicos dessa abordagem. Ao registrar experiências, sentimentos e percepções, o indivíduo organiza seu mundo interno e libera tensões emocionais, o que lhe permite enxergar sua vida cotidiana e seus desafios sob uma ótica renovada. Esse processo amplia a consciência, favorece a emergência de novos significados, mais coerentes com seus valores essenciais e fortalece a resiliência.
Quando associada a práticas reflexivas, como a atividade extensionista A Jornada das Virtudes, que trabalhadou as virtudes da gratidão, da humildade e do perdão, a escrita terapêutica torna-se uma ponte entre a experiência vivida e os movimentos internos de reflexão e ressignificação, favorecendo a integração dos aprendizados e a abertura de consciência que emergem no processo.
Neste sentido, como afirmam Saldanha & Acciari (2019):
Promove reflexões profundas e favorece o autoconhecimento de maneira muito significativa por facilitar a interlocução interna e ampliar estados de consciência, pois permite a exploração de recônditos profundos do mundo interior de forma atemporal, ancorando a experiência de forma concreta no aqui e agora, possibilitando reflexões futuras a respeito. (SALDANHA & ACCIARI, 2019, p. 73).
3. A Jornada das Virtudes: Extensão e Autoconhecimento
A atividade extensionista A Jornada das Virtudes foi estruturada em um processo sequencial que convidou os estudantes a vivenciarem, em etapas, três virtudes essenciais: gratidão, humildade e perdão. Cada etapa contou com um momento de sensibilização (podcast introdutório), seguido por uma atividade prática (diário, realização de uma pequena boa ação e escrita de uma carta) e, por fim, uma reflexão escrita que favoreceu a elaboração da experiência vivida. O passo a passo da proposta buscou unir teoria e prática, estimulando a observação do cotidiano, a abertura para o encontro com o outro e o contato profundo com os próprios sentimentos, favorecendo a ressignificação das experiências pessoais.Assim, a atividade configurou-se como um espaço de autoconhecimento e integração, alinhado à perspectiva da Abordagem Integrativa Transpessoal.
Ao relacionarmos a Jornada das Virtudes com a Abordagem Integrativa Transpessoal, é possível perceber como cada prática proposta ativa, de maneira singular, os quatro elementos do eixo experiencial, razão, emoção, intuição e sensação, favorecendo também a integração com o eixo evolutivo. Nesse processo, a atividade extensionista torna-se um caminho de autoconhecimento, pois possibilita que os estudantes reflitam sobre si mesmos e, ao mesmo tempo, ampliem sua consciência em diálogo com a comunidade e com a realidade social.
3.1. A Jornada da Gratidão
A gratidão é a capacidade de reconhecer e valorizar os aspectos positivos da vida, mesmo nas situações mais simples. Mais do que um sentimento, é uma atitude que amplia a percepção do cotidiano, fortalece vínculos sociais e promove bem-estar emocional.
O exercício proposto consistiu na elaboração de um Diário da Gratidão durante sete dias consecutivos, em que os estudantes registraram cinco aspectos diários pelos quais se sentiam gratos. Ao final, elaboraram uma reflexão sobre as mudanças de percepção que vivenciaram.
Esse exercício convoca a razão, ao organizar pensamentos e selecionar experiências significativas do cotidiano; mobiliza a emoção, ao despertar sentimentos positivos de reconhecimento e apreço; ativa a intuição, ao permitir que o sujeito perceba pequenos sinais e sincronicidades que muitas vezes passariam despercebidos; e ancora-se na sensação, quando o corpo experimenta estados de leveza e bem-estar decorrentes da prática. Assim, a gratidão expande a percepção da vida, fortalece vínculos saudáveis com o mundo e constitui um exercício de autoconhecimento fundamental para a formação integral do estudante. Ao cultivá-la, o individuo amplia a sua consciência para além da carência e da falta, orientando-se para uma visão de abundância e interconexão.
Os feedbacks dos estudantes revelaram que a prática da gratidão despertou sentimentos de leveza, paz interior e maior disposição para o cotidiano. Muitos afirmaram que aprenderam a valorizar as pequenas coisas, reconhecendo bênçãos cotidianas e ressignificando desafios. Houve também referências a melhorias no humor, no sono e na redução da ansiedade. A gratidão foi percebida como uma escolha consciente capaz de transformar a perspectiva pessoal e fortalecer relações mais empáticas e generosas.
3.2. A Jornada da Humildade
A humildade é a virtude que reconhece a interdependência entre os seres humanos, abrindo espaço para a cooperação e o respeito mútuo. Não se trata de submissão, mas de uma postura de autenticidade e abertura ao aprendizado contínuo.
O exercício consistiu em realizar uma pequena boa ação, como ouvir alguém, oferecer ajuda, doar ou ceder lugar no transporte público, sem esperar reconhecimento ou recompensa. Posteriormente, os estudantes registraram uma reflexão escrita sobre a experiência e o aprendizado que ela proporcionou, o que possibilitou maior elaboração interna e consolidação do sentido vivido.
Ao realizar um gesto simples e generoso, sem esperar retorno, a pessoa exercita a razão, ao reconhecer a interdependência entre os seres humanos; experimenta a emoção, ao sentir empatia e conexão com o outro; acessa a intuição, ao intuir o momento e a forma de ajudar de maneira espontânea; e vivencia a sensação, ao perceber no corpo a satisfação serena que emerge do ato de servir. A humildade, nesse sentido, dissolve barreiras do ego e abre espaço para estados ampliados de consciência, em que o “eu” se reconhece em relação ao “nós”.
Os feedbacks dos alunos destacaram que pequenos gestos de ajuda e solidariedade proporcionaram forte sensação de bem-estar e satisfação. Muitos relataram que se sentiram úteis, realizados e até mesmo transformados pela oportunidade de contribuir com o outro. Os aprendizados apontaram para a importância de “fazer o bem sem olhar a quem”, reconhecer limites pessoais e cultivar empatia. Vários estudantes afirmaram a intenção de manter tais práticas como estilo de vida, reforçando que a humildade amplia vínculos humanos e fortalece o caráter.
3.3. A Jornada do Perdão
O perdão é o processo de liberar ressentimentos, mágoas e culpas, resignificando experiências dolorosas. Não significa esquecer ou justificar erros, mas sim abrir mão do peso emocional que aprisiona, criando espaço para a cura, a reconciliação e a liberdade interior.
A atividade proposta consistiu na escrita de uma Carta do Perdão, dirigida a outra pessoa ou a si mesmo, explicitando sentimentos, impactos e um compromisso de seguir em frente, sem a necessidade de entregar a carta. Após a escrita, os estudantes realizaram uma reflexão sobre o processo.
Na prática da carta, o sujeito mobiliza a razão, ao organizar narrativas e compreender os impactos de uma experiência dolorosa; acessa a emoção, ao entrar em contato com mágoas, ressentimentos ou culpas; ativa a intuição, ao encontrar caminhos criativos para ressignificar a experiência e abrir-se ao novo; e envolve a sensação, ao liberar tensões e experimentar um alívio físico e psíquico. O perdão rompe ciclos de aprisionamento emocional e abre espaço para significados mais saudáveis e coerentes com os valores essenciais do ser, bem como possibilita libertação e integração, promovendo saúde emocional e amadurecimento espiritual.
Os feedbacks dos estudantes indicaram que a atividade sobre o perdão possibilitou reflexões profundas. Muitos relataram alívio emocional e mental ao escrever a carta de perdão ou autoperdão, descrevendo a experiência como libertadora e capaz de reduzir ressentimentos. Alguns perceberam mudanças na forma de compreender o erro, reconhecendo a imperfeição como parte da condição humana. Os relatos também apontaram que o perdão foi visto como sinal de maturidade, sabedoria e oportunidade de recomeço, favorecendo tanto o bem-estar individual quanto a qualidade das relações.
Dessa forma, as virtudes de gratidão, humildade e perdão não se limitam a práticas isoladas, mas se configuram como caminhos de expansão de consciência que atravessam razão, emoção, intuição e sensação, sustentando a integração entre o eixo experiencial e o evolutivo. No âmbito da extensão, trabalhar essas virtudes amplia a formação dos estudantes e fortalece o autoconhecimento, favorecendo tanto o desenvolvimento pessoal quanto o compromisso social com a comunidade.
4. Virtudes Como Temas Transversais na Formação Acadêmica
As virtudes de gratidão, humildade e perdão, quando trabalhadas em atividades extensionistas, ultrapassam a esfera individual e tornam-se elementos formadores de uma consciência coletiva mais ética, empática e cidadã. No âmbito da educação superior, podem ser compreendidas como temas transversais, pois atravessam diferentes áreas do saber e se conectam a valores universais indispensáveis à vida em sociedade.
4.1. Gratidão
Na atividade extensionista A Jornada das Virtudes, a prática da gratidão, ao cultivar um olhar apreciativo para o cotidiano, fortalece a saúde mental e emocional. Diversos estudos apontam que a gratidão reduz sintomas de estresse e ansiedade, além de favorecer o bem-estar subjetivo. No campo acadêmico, aprender a reconhecer aspectos positivos da jornada fortalece a resiliência dos estudantes e amplia sua motivação. Nesse sentido, um estudo realizado com universitários na Malásia mostrou correlação significativa entre gratidão, resiliência e desempenho acadêmico: alunos mais gratos apresentaram maior capacidade de lidar com desafios e melhor rendimento escolar (ZAINOODIN et al., 2021). Assim, a gratidão se configura como um tema transversal ligado à saúde, à qualidade de vida e ao bem-estar, dimensões essenciais na contemporaneidade.
4.2. Humildade
Na atividade extensionista A Jornada das Virtudes, a humildade foi trabalhada como virtude relacional, capaz de dissolver barreiras do ego e abrir espaço para o aprendizado contínuo. Essa vivência encontra respaldo em pesquisas acadêmicas que destacam a humildade intelectual como um fator associado à motivação intrínseca e à autoconfiança acadêmica de estudantes, favorecendo processos de aprendizagem mais significativos (ZHANG; LEI; ZHU, 2024). Do mesmo modo, estudos realizados com profissionais da saúde indicam que especialistas que cultivam a humildade apresentam maior flexibilidade cognitiva e adaptabilidade em situações desafiadoras (CHANG; CHEN; LI, 2020). Assim, a humildade mostra-se uma virtude que atravessa diferentes etapas da vida, sustentando tanto a formação acadêmica quanto a prática profissional, reforçando sua relevância como tema transversal na educação superior.
4.3. Perdão
Na atividade extensionista A Jornada das Virtudes, o perdão, ao liberar ressentimentos e culpas, contribui para relações mais saudáveis e pacíficas. No contexto acadêmico, pode favorecer a criação de ambientes de aprendizagem mais respeitosos e colaborativos, reduzindo tensões interpessoais e estimulando o diálogo. Na sociedade, possibilita a superação de conflitos e a abertura para processos de reconciliação. Assim, o perdão conecta-se aos temas transversais da convivência social e cidadania, fundamentais para uma sociedade mais justa e empática.
Como destaca Perpétuo (2025):
“O perdão é indispensável, é central na vida de todos os seres humanos, primeiro para não nos perder e segundo para mantermos a saúde, o bem-estar e a qualidade de nossas relações, nos protegendo inclusive dos excessos de raiva e mágoa (Marasca, 2019).”
Consideradas em conjunto, gratidão, humildade e perdão convergem para a promoção de uma cultura de paz. Como destaca o Caderno Temático do Programa Saúde na Escola (BRASIL, 2022), a construção dessa cultura implica estimular valores e atitudes voltados à convivência respeitosa, ao respeito aos direitos humanos e à mediação de conflitos. Desta maneira, as virtudes trabalhadas não apenas fortalecem a formação integral dos estudantes, mas também contribuem para o compromisso social da faculdade.
Um aspecto relevante é que, em todas as etapas da Jornada das Virtudes, a escrita esteve presente como prática reflexiva. Seja no diário de gratidão, no relato após a vivência da humildade ou na carta de perdão, escrever permitiu que os estudantes organizassem pensamentos e sentimentos, transformando experiências subjetivas em aprendizados concretos. Dessa forma, a escritafuncionou como um fio condutor, potencializando a ampliação da consciência e fortalecendo o processo de aprendizagem.
5. Considerações Finais
A extensão universitária constitui um espaço privilegiado para o desenvolvimento integral do estudante. Mais do que complementar a formação acadêmica, ela se apresenta como um campo fértil para práticas que despertam consciência, promovem autoconhecimento e ampliam o sentido da vida em comunidade.
Neste capítulo, buscou-se evidenciar como a Abordagem Integrativa Transpessoal oferece um referencial potente para fundamentar atividades extensionistas. Ao integrar razão, emoção, intuição e sensação no eixo experiencial, e orientá-los ao crescimento e à ampliação da consciência no eixo evolutivo, essa abordagem contribui para a formação de indivíduos mais conscientes de si, resilientes e conectados a valores essenciais.
A experiência proposta em A Jornada das Virtudes indicou, por meio dos feedbacks dos participantes, que práticas simples como registrar gratidão, realizar gestos de humildade acompanhados de reflexões escritas e escrever uma carta de perdão podem favorecer reflexões significativas e despertar percepções de mudança pessoal. Cada virtude mobilizou dimensões cognitivas, afetivas, intuitivas e sensoriais, ao mesmo tempo em que estimulou processos de expansão de consciência. Embora não tenha havido mensuração formal de resultados, os relatos qualitativos reforçam o potencial dessas práticas na promoção da saúde mental, da convivência social e da formação ética dos estudantes.
As virtudes trabalhadas, quando compreendidas como temas transversais, conectam-se diretamente às demandas da educação contemporânea: saúde mental, ética, cidadania, diversidade e cultura de paz. Ao cultivá-las, a instituição de ensino superior contribui não apenas para a formação de profissionais competentes, mas também para a construção de uma sociedade mais justa, empática e consciente.
Conclui-se, portanto, que a integração entre extensão, autoconhecimento e temas transversais, a partir da Abordagem Integrativa Transpessoal, abre caminhos inovadores para o ensino superior. Ao valorizar práticas que unem reflexão, vivência e transformação, a faculdade cumpre sua missão de formar seres humanos mais plenos e preparados para atuar no mundo com responsabilidade, sensibilidade e compromisso social.
6. Referências
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[1]Especialista. Faculdade Vicentina. https://faculdadevicentina.com.br/ E-mail: silvestrini.cassia@gmail.com