Análise da Subordinação Brasileira ao Capital Estrangeiro sob o Perspectiva da Teoria Marxista da Dependência
Análise da Subordinação Brasileira ao Capital Estrangeiro sob o Perspectiva da Teoria Marxista da Dependência
Rafael da Silva Santos[1]
RESUMO: Este artigo investiga a subordinação da economia brasileira ao capital estrangeiro, utilizando como arcabouço teórico a Teoria Marxista da Dependência (TMD). Analisa-se a trajetória do desenvolvimento brasileiro, desde o processo de industrialização por substituição de importações até o aprofundamento da dependência financeira, com foco nas transformações econômicas e políticas que moldaram essa relação. O estudo aborda as crises econômicas, as políticas governamentais e o impacto na distribuição de renda, evidenciando a persistência da dependência apesar das mudanças estruturais. Argumenta-se que a superexploração da força de trabalho e a remessa de lucros para os centros capitalistas são mecanismos centrais na reprodução dessa subordinação.
PALAVRAS-CHAVE: Desenvolvimento periférico; Economia brasileira; Substituição de importações; Teoria marxista da dependência.
ABSTRACT: This article investigates the subordination of the Brazilian economy to foreign capital, using Marxist Dependency Theory (MDT) as a theoretical framework. It analyzes the trajectory of Brazilian development, from the process of industrialization through import substitution to the deepening of financial dependence, focusing on the economic and political transformations that shaped this relationship. The study addresses economic crises, government policies, and the impact on income distribution, highlighting the persistence of dependence despite structural changes. It argues that the overexploitation of the workforce and the remittance of profits to capitalist centers are central mechanisms in the reproduction of this subordination.
KEY WORDS: Peripheral development; Brazilian economy; Import substitution; Marxist dependency theory.
1. Introdução
O presente artigo analisa a subordinação da economia brasileira ao capital estrangeiro sob a ótica da Teoria Marxista da Dependência (TMD). Este trabalho busca compreender como os mecanismos de dependência se manifestam e se reproduzem, mesmo diante de processos de industrialização e modernização. Historicamente, a inserção do Brasil no sistema capitalista global tem sido marcada por uma condição de dependência, moldada por forças externas e pela necessidade de acumulação de capital nos centros desenvolvidos. A TMD, com as contribuições de Marini (2005) e Dos Santos (1978), oferece um arcabouço crítico para entender essa dinâmica, que resulta na superexploração da força de trabalho e na transferência contínua de mais-valia para as economias centrais.
O trabalho explora as fases do desenvolvimento econômico brasileiro, com ênfase na industrialização por substituição de importações (PSI) e no “milagre econômico”. A análise mostrou que o crescimento e a diversificação aumentaram a dependência e criaram novas vulnerabilidades. Indicadores macroeconômicos como inflação, balança comercial, dívida externa e distribuição de renda demonstram os impactos dessas políticas e a persistente vulnerabilidade da economia brasileira.
Este artigo está estruturado em seções que abordam: O Levante das Teorias do Desenvolvimento: Revisão crítica das teorias do desenvolvimento, com foco na TMD e suas críticas às abordagens tradicionais; A Trajetória do Desenvolvimento Brasileiro e o Aprofundamento das Relações de Dependência: Análise histórica do processo de industrialização brasileira, desde o pós-crise de 1929 até a crise da dívida externa, destacando a subordinação ao capital estrangeiro; e a Transformações na Economia Brasileira no Pós-Anos 1970: Neoliberalismo, Desenvolvimento e Dependência Financeira: Exame das mudanças econômicas e políticas a partir da década de 1970, com a ascensão do neoliberalismo e o aprofundamento da dependência financeira.
Por fim, o artigo apresentará as considerações finais, sintetizando os achados e reforçando a relevância da TMD para a compreensão da realidade brasileira e latino- americana, visando contribuir para o debate sobre a superação da dependência estrutural.
2. Desenvolvimento
2.1. O levante das teorias do desenvolvimento
A compreensão do desenvolvimento e do subdesenvolvimento tem sido objeto de intensos debates. As teorias tradicionais viam o subdesenvolvimento como uma fase a ser superada pela modernização e integração ao mercado global (Rostow, 1960). Contudo, a experiência de países periféricos, marcada pela persistência de desigualdades, levou ao questionamento dessas visões.
A Teoria Marxista da Dependência (TMD) surgiu na América Latina nas décadas de 1960 e 1970 como uma crítica radical, argumentando que o subdesenvolvimento é uma condição estrutural e intrínseca ao funcionamento do capitalismo global. Para a TMD, a relação entre países centrais e periféricos é de exploração, onde o desenvolvimento dos primeiros ocorre à custa do subdesenvolvimento dos segundos (Marini, 2005).
Um conceito central da TMD é a superexploração da força de trabalho. Marini (2005) explica que, para compensar a perda de valor nas trocas desiguais, as economias periféricas intensificam a exploração do trabalho, com jornadas prolongadas, maior intensidade e remuneração abaixo do valor. Isso permite a acumulação de capital na periferia, mas de forma subordinada, reproduzindo a dependência.
Outro ponto fundamental é a transferência de valor da periferia para o centro, via troca desigual de mercadorias, remessa de lucros, juros de empréstimos e pagamentos de royalties (Dos Santos, 1978). Essa dinâmica impede que os países periféricos retenham o excedente necessário para um desenvolvimento autônomo. O Estado nos países dependentes, por sua vez, atua na reprodução dessas relações, favorecendo o capital estrangeiro e a superexploração. A industrialização, quando ocorre, é frequentemente controlada pelo capital transnacional, gerando dependência tecnológica e financeira.
Em síntese, a TMD oferece uma lente crítica para analisar o subdesenvolvimento como fenômeno ligado à dinâmica do capitalismo global, destacando a exploração, a transferência de valor e a superexploração como mecanismos centrais. Essa perspectiva é crucial para entender a inserção e manutenção do Brasil nessa estrutura de dependência.
2.2 A trajetória do desenvolvimento brasileiro e o aprofundamento das relações de dependência
A economia brasileira tem sido palco de transformações estruturais, impulsionadas por crises globais e políticas internas. Contudo, sob a ótica da TMD, o país não rompeu com a subordinação ao capital estrangeiro, aprofundando suas relações de dependência. Este capítulo detalha essa trajetória, desde as raízes da industrialização por substituição de importações (PSI) até o declínio desse modelo e a crise da dívida externa.
2.2.1 A formação do estado nacional e as raízes do PSI
Os primórdios da industrialização brasileira remontam às primeiras décadas do séculoXIX. A abertura dos portos em 1808 marcou o fim do exclusivismo econômico, consolidando uma economia primário-exportadora (Bresser-Pereira, 1985). A hegemonia do café, embora impulsionasse a acumulação de divisas, tornava a economia vulnerável a choques externos. A crise de 1929, por exemplo, teve um impacto devastador, forçando o governo a reorientar a política econômica para dinamizar o mercado interno. Medidas como controle de importações e elevação da taxa de câmbio estimularam a industrialização via PSI (Tavares, 1978).
Furtado (2005) destaca que, diante da impossibilidade de obter crédito externo para financiar o estoque de café, o governo optou por comprar e destruir o excedente, visando manter o emprego e a demanda. Essa intervenção estatal, juntamente com a desvalorização cambial, que encareceu as importações, criou um ambiente favorável para o investimento industrial. A produção industrial cresceu 27% entre 1929 e 1935 (Bresser-Pereira, 1985). Embora o financiamento da indústria não fosse exclusivamente do reinvestimento de lucros, o setor externo continuou crucial na diversificação produtiva, mediante importações de equipamentos (Tavares, 2000). Contudo, a dependência da importação de bens de capital representava um novo estrangulamento externo, evidenciado pela redução do volume de importações durante a Segunda Guerra Mundial.
Em síntese, o PSI iniciado nos anos 1930 redirecionou o centro dinâmico da economia para o mercado interno, mas o crescimento foi limitado e dependente do mercado externo para importação de equipamentos, demonstrando a persistência da dependência tecnológica e de insumos. A ideologia de desenvolvimento econômico seria consolidada na década de 1950.
2.2.2 A estratégia de desenvolvimento via PSI após a II guerra mundial
O pós-Segunda Guerra Mundial consolidou a indústria como setor dinâmico no Brasil, impulsionando o PSI em bens de consumo duráveis e bens de capital, com forte participação do capital internacional (Vianna e Vilella, 2005). No governo Dutra (1946- 1950), a Instrução nº 17 da SUMOC aboliu o protecionismo, mas o desequilíbrio nabalança comercial levou à retomada do controle de importações em 1947, favorecendo o desenvolvimento industrial. O quinquênio 1946-1950 registrou crescimento industrial de 8,9% e avanço de 7,3% no PIB. O segundo governo Vargas (1951-1954) enfrentou novo colapso cambial.
A Instrução 70 da SUMOC (1953) estabeleceu leilões de câmbio, protegendo e estimulando a indústria doméstica (Vianna, 2005). As políticas intervencionistas estatais, voltadas ao controle do câmbio e à manutenção de reservas, mostraram-se eficazes no fomento industrial, com intensificação dos investimentos em bens de consumo duráveis e impulso na indústria de bens de capital, como a criação da Petrobrás (1953) e expansão da CSN (Bresser-Pereira, 1985).
No entanto, a primeira metade da década de 1950 terminou com instabilidade na balança comercial, queda na receita de exportações, endividamento externo e pressão inflacionária. A conjuntura era desfavorável, com forte dependência do mercado externo para financiamento e infraestrutura defasada (Bresser-Pereira, 1982).
É nesse contexto que Juscelino Kubitschek (1956-1961) adota a política cambial como principal instrumento. A Instrução 113 da SUMOC ampliou a importação de bens de produção sem cobertura cambial (investimento direto estrangeiro), dando continuidade ao PSI. O Plano de Metas, influenciado pelas teses cepalinas, concentrou investimentos em indústrias de base, energia, transporte e bens intermediários, utilizando expansão monetária e crédito subsidiado (Villela, 2005). Os resultados foram expressivos: crescimento médio do PIB de 6% e da produção industrial de 11% ao ano. Contudo, a entrada de capital estrangeiro gerou grande remessa de lucros, impactando negativamente as reservas e elevando a dívida externa líquida para 3,4 bilhões de dólares (Villela, 2005). O Plano de Metas acentuou a desigualdade de renda e a inflação, mostrando sinais de esgotamento no início dos anos 1960.
2.2.3 O governo militar e o “Milagre Econômico”
A década de 1960 culminou na instauração do regime militar em 1964. O governo buscou combater a estagnação e o desequilíbrio externo com o Plano de Ação Econômica do Governo (Paeg) (Hermann, 2005). O Paeg implementou indexação financeira, contenção da expansão dos meios de pagamento, redução de gastos públicos e reformas nos sistemas financeiro, tributário e trabalhista, incluindo arrocho salarial e criação do FGTS. As reformas tributária e financeira aumentaram a arrecadação de forma regressiva e reorganizaram o SFB para sustentar a industrialização sem pressão inflacionária (Hermann, 2005).
O Paeg apresentou fraco desempenho nos primeiros anos (1964-1967), com crescimento do PIB de 4,2% e inflação média de 45,5%. A dívida externa chegou a 3 bilhões de dólares (Hermann, 2005). A política de abertura comercial e endividamento externo intensificou-se no hexênio de 1968 a 1973, o “milagre econômico”. O PIB cresceu em média 11% ao ano, com queda no IGP e equilíbrio na balança comercial, devido à forte entrada de capital estrangeiro (Hermann, 2005).
As estratégias do Paeg foram mantidas, mas com política monetária expansiva. A expansão da atividade econômica, redução da inflação e equilíbrio na balança comercial foram atribuídos à liquidez externa, termos de troca favoráveis e expansão do comércio mundial (Hermann, 2005). Apesar do crescimento, a dependência do financiamento externo tornou-se latente, refletida no aumento do déficit na conta corrente e remessa de lucros. O “milagre” deixou como legado o aprofundamento da dependência do capital e tecnologia estrangeiros, e um endividamento crescente, excedendo 8 bilhões de dólares (Giambiagi et al., 2005).
2.2.4 O declínio do PSI e a crise da dívida externa
A fragilidade externa do Brasil acentuou-se no início da década de 1970, com crises capitalistas globais. Em 1973, a maturação dos investimentos do “milagre” levou a uma mudança no perfil de crescimento, liderado pelo setor de bens de consumo duráveis. Contudo, o país mostrava-se dependente do capital financeiro e de importações de bens de capital e insumos, como petróleo (Hermann, 2005b). A dependência do petróleo, com 80% do consumo vindo de importações em 1973, tornou o Brasil suscetível a choques externos, como a crise de 1974.
Diante da conjuntura recessiva, o governo militar adotou o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), visando reduzir a restrição externa e retomar o crescimento (Hermann, 2005b). O plano, de natureza desenvolvimentista, englobava investimentos em setores estratégicos e ampliação das exportações (Tavares, 2000). A sustentação do II PND dependia do financiamento externo, viabilizado pelos “petrodólares” (Giambiagi et al., 2005).
Embora o II PND tenha logrado êxito em alguns indicadores, a opção do governo em manter o endividamento externo gerou questionamentos. A pouca relevância atribuída ao desajuste da economia mundial e a não projeção de um agravamento substancial da crise foram apontadas como falhas (Fishlow, 1986; Carneiro, 1990). A falta de uma análise mais crítica da conjuntura internacional levou a decisões que agravaram a situação econômica do país.
A estratégia de ajuste estrutural logo se mostrou inconsistente, com a inflação descontrolada e a dívida externa líquida crescendo continuamente. A receita com exportações não conseguia cobrir os déficits em conta corrente, dada a conjuntura econômica recessiva nos países centrais. A partir de 1976, investimentos previstos foram suprimidos, e o II PND tornou-se “letra morta” no final da década, com novos choques do petróleo e elevação dos juros internacionais em 1979 (Lessa, 1988). A combinação de inflação, dívida externa e recessão marcou o início da “década perdida”.
O endividamento externo, que em 1974 viabilizava a elevação da atividade econômica, nos últimos anos da década de 1970 e durante a década de 1980, serviu em grande parte para pagar os juros da dívida, que ultrapassava os US$ 4 bilhões em 1979 chegava a 9 bilhões em 1981. Bresser-Pereira (1985, p. 231) afirma que, a partir de 1981, o Brasil se endividava quase que exclusivamente para pagar juros, evidenciando a gravidade da situação. A dívida externa se tornou um ciclo vicioso, onde o país se endividava para pagar dívidas, comprometendo seu desenvolvimento futuro.
Além disso, o II PND não obteve êxito na correção do problema distributivo, pelo contrário, contribuiu para agravá-lo. Em 1980, a parcela economicamente ativa correspondente aos 50% mais pobres era responsável por 12,6% da renda total, enquanto os 10% mais ricos concentravam 50,9% da renda, mostrando um aumento da desigualdade de renda em comparação com as décadas anteriores (Bresser- Pereira, 1985). O crescimento econômico não foi acompanhado por uma melhoria na distribuição de renda, o que é uma característica comum em economias dependentes.
Em suma, o parque industrial brasileiro foi forjado nos moldes das teses desenvolvimentistas cepalinas, com a substituição de importações estimulada pelo Estado. No entanto, mesmo após a formação do parque industrial, o país não conseguiu superar sua situação de subdesenvolvimento, que se complexificou na forma de dependência financeira. Os ganhos de crescimento econômico contrastaram com um aprofundamento da concentração de renda, e o plano acentuou a vulnerabilidade econômica do país, deixando-o imerso em uma dívida externa elevadíssima, que seria a causa central do cenário econômico recessivo enfrentado nas décadas seguintes. A experiência do II PND demonstra que o crescimento econômico sem uma ruptura com a lógica da dependência pode levar a um aprofundamento das desigualdades e a novas formas de subordinação.
2.3 Transformações na economia brasileira no pós-anos 1970: neoliberalismo, desenvolvimento e dependência financeira
A década de 1970 marcou um ponto de inflexão na economia mundial, com a incidência de crises capitalistas que reverberaram globalmente, gerando profundas transformações sociais e econômicas. Para o Brasil, esse período foi particularmente desafiador, pois coincidiu com o esgotamento do modelo de industrialização por substituição de importações (PSI) e o aprofundamento da crise da dívida externa. A resposta a esses desafios se deu em um contexto de ascensão do neoliberalismo, que redefiniu as relações entre Estado, mercado e sociedade, e intensificou a dependência financeira do país. É crucial entender que o neoliberalismo não surgiu como uma solução neutra para a crise, mas como uma ideologia que promovia a desregulamentação e a privatização, favorecendo o capital financeiro e transnacional.
2.3.1 A crise da dívida externa e a década perdida
O final da década de 1970 e o início dos anos 1980 foram caracterizados por um cenário de instabilidade econômica global, com o segundo choque do petróleo (1979) e a elevação das taxas de juros internacionais. Esses fatores agravaram a já delicada situação da dívida externa brasileira, que havia crescido exponencialmente durante o período do “milagre econômico” e o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND). A estratégia de endividamento externo, que antes viabilizava o crescimento, passou a ser um fardo, com grande parte dos recursos sendo destinada ao pagamento de juros, e não mais a investimentos produtivos (Bresser-Pereira, 1985). A dívida externa se tornou um mecanismo de transferência de riqueza dos países periféricos para os países centrais, evidenciando a lógica da dependência.
A “década perdida” de 1980 foi marcada por altas taxas de inflação, estagnação econômica e sucessivas renegociações da dívida externa. A incapacidade de gerar divisas suficientes para honrar seus compromissos levou o Brasil a uma profunda crise fiscal e cambial. A dependência financeira se tornou a face mais visível da subordinação, com o país refém das condicionalidades impostas por organismos internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), que exigiam ajustes fiscais rigorosos e a abertura da economia (Carneiro, 1990). A imposição de programas de ajuste estrutural, que visavam à estabilização macroeconômica, frequentemente resultava em recessão, aumento do desemprego e deterioração das condições sociais, aprofundando a vulnerabilidade do país e aprofundando as desigualdades sociais. As políticas de austeridade, embora apresentadas como necessárias para a recuperação econômica, na prática, penalizavam as camadas mais pobres da população.
2.3.2 A ascensão do neoliberalismo e suas implicações para o Brasil
Em resposta à crise da dívida e à ineficiência percebida do modelo desenvolvimentista, as ideias neoliberais ganharam força no Brasil a partir da década de 1990. O Consenso de Washington, um conjunto de políticas econômicas propostas por instituições como o FMI e o Banco Mundial, tornou-se a cartilha para os países em desenvolvimento. Essas políticas incluíam a privatização de empresas estatais, a desregulamentação dos mercados, a abertura comercial e financeira, e a redução do papel do Estado na economia (Carcanholo, 2002). A premissa central era que a liberalização econômica e a menor intervenção estatal levariam a um crescimento mais eficiente e sustentável, ignorando as particularidades históricas e estruturais dos países periféricos.
No Brasil, a implementação das reformas neoliberais resultou em um processo de desindustrialização e na crescente financeirização da economia. A abertura comercial, sem a devida proteção à indústria nacional, expôs as empresas brasileiras à concorrência internacional, levando ao fechamento de fábricas, à perda de empregos e à redução da capacidade produtiva. A privatização de setores estratégicos, como telecomunicações, energia e mineração, transferiu o controle de importantes ativos para o capital estrangeiro, aprofundando a dependência tecnológica e financeira (Fiori, 1997). Esse processo não apenas diminuiu a capacidade do Estado de intervir na economia, mas também gerou uma maior concentração de poder econômico nas mãos de grandes corporações transnacionais, que passaram a ditar os rumos da economia brasileira.
A financeirização da economia, por sua vez, transformou o Brasil em um destino atrativo para o capital especulativo, que buscava altas taxas de juros e lucros rápidos. Essa entrada de capital volátil, embora contribuísse para o equilíbrio da balança de pagamentos no curto prazo, aumentava a vulnerabilidade do país a choques externos e a crises financeiras. A dependência, antes predominantemente industrial e tecnológica, assumiu uma nova roupagem, agora com forte componente financeiro, onde a lógica da acumulação de capital se deslocou da produção para a esfera da circulação e especulação financeira. Isso resultou em uma economia mais suscetível a crises e menos capaz de gerar desenvolvimento autônomo e inclusivo, pois os recursos eram direcionados para a especulação e não para o investimento produtivo.
2.3.3 Desenvolvimento e dependência financeira no século XXI
No século XXI, o Brasil continuou a enfrentar os desafios da dependência em um cenário global em constante mutação. Embora tenha havido períodos de crescimento econômico impulsionados pelo boom das commodities, a estrutura produtiva do país permaneceu vulnerável às flutuações do mercado internacional. A dependência de produtos primários para exportação e a baixa complexidade da pauta exportadora limitaram as possibilidades de um desenvolvimento autônomo e sustentável. A valorização das commodities, embora tenha gerado superávits comerciais em alguns momentos, não foi acompanhada por uma diversificação produtiva e tecnológica que pudesse romper com a lógica da dependência, mantendo o país em uma posição periférica na divisão internacional do trabalho.
Além disso, a crescente integração do Brasil aos mercados financeiros globais, impulsionada pelas políticas neoliberais, expôs o país a novas formas de dependência. A necessidade de atrair capital estrangeiro para financiar o déficit em conta corrente e a dívida pública levou à manutenção de altas taxas de juros, o que, por sua vez, desestimulou o investimento produtivo e favoreceu a especulação financeira. Essa dinâmica gerou um ciclo vicioso de endividamento e dependência, onde o país se vê obrigado a ceder parte de sua soberania econômica para garantir o fluxo de capital. A dependência financeira se manifesta não apenas na vulnerabilidade a choques externos, mas também na limitação da autonomia do Estado para formular e implementar políticas econômicas que atendam aos interesses nacionais.
As políticas sociais implementadas em alguns períodos do século XXI, embora tenham contribuído para a redução da pobreza e da desigualdade, não foram capazes de alterar a estrutura de dependência da economia brasileira. A concentração de renda e a desigualdade social persistiram, evidenciando que o crescimento econômico por si só não é suficiente para superar as contradições inerentes à dependência. A Teoria Marxista da Dependência continua a oferecer um arcabouço relevante para analisar a dinâmica da superexploração da força de trabalho e a transferência de valor, que se adaptam às novas configurações do capitalismo global, mas mantêm a essência da subordinação. A globalização e a financeirização aprofundaram a interconexão das economias, mas não alteraram a hierarquia fundamental entre centro e periferia, onde os países dependentes continuam a desempenhar um papel subordinado na divisão internacional do trabalho.
Em suma, as transformações na economia brasileira a partir da década de 1970, impulsionadas pela crise da dívida e pelo neoliberalismo, reconfiguraram as relações de dependência. A financeirização e a desindustrialização se somaram à dependência tecnológica e de insumos, criando um cenário complexo em que a superação do subdesenvolvimento exige não apenas políticas econômicas eficazes, mas também uma ruptura com as estruturas de poder que perpetuam a subordinação ao capital estrangeiro. A compreensão desses mecanismos é fundamental para a construção de um projeto de desenvolvimento que seja verdadeiramente autônomo e voltado para as necessidades da população brasileira.
3. Considerações Finais
Este artigo analisou a subordinação da economia brasileira ao capital estrangeiro sob a perspectiva da Teoria Marxista da Dependência (TMD), com base na monografia de Rafael da Silva Santos. Demonstrou-se que, apesar dos processos de industrialização e crescimento, o Brasil não rompeu com a lógica da dependência, que se manifesta e se reproduz em diferentes contextos históricos. Essa persistência ressalta as profundas raízes estruturais da dependência.
Desde o PSI até o “milagre econômico” e o II PND, o crescimento foi acompanhado por um aprofundamento da dependência tecnológica, financeira e de insumos. A entrada de capital estrangeiro, embora impulsionasse o desenvolvimento, revelou-se um mecanismo de transferência de valor para os centros capitalistas, evidenciado pela remessa de lucros e pelo crescente endividamento externo. Essa dinâmica comprometeu o investimento interno e limitou a autonomia do Estado.
A crise da dívida externa na década de 1980 e a ascensão do neoliberalismo a partir dos anos 1990 reconfiguraram e intensificaram as relações de dependência. A financeirização da economia e a desindustrialização tornaram-se características marcantes, expondo o país a novas vulnerabilidades e intensificando a subordinação aos fluxos voláteis de capital internacional. A persistência da concentração de renda e da desigualdade social reforça a tese da TMD de que o subdesenvolvimento é uma condição estrutural inerente ao capitalismo global.
Em síntese, a TMD oferece um arcabouço robusto para compreender a complexidade da realidade brasileira. Ela destaca a superexploração da força de trabalho como mecanismo central na reprodução da dependência e a necessidade de uma ruptura com as estruturas de poder que perpetuam essa subordinação. A superação do subdesenvolvimento exige uma transformação profunda das relações de produção, das estruturas de poder e da inserção do país na economia global, visando um modelo de desenvolvimento autônomo, inclusivo e equitativo, que priorize a soberania econômica, a justiça social e a sustentabilidade ambiental.
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