Integração da Astronomia no Ensino Médio: BNCC e o potencial pedagógico dos canais Nerdologia, Spacetoday e Ciência Todo Dia do Youtube
Integração da Astronomia no Ensino Médio: BNCC e o potencial pedagógico dos canais Nerdologia, Spacetoday e Ciência Todo Dia do Youtube
Jander Abrita de Carvalho [1]
Leonardo Moraes Armesto[2]
RESUMO: Este estudo investiga a inserção da Astronomia no Ensino Médio brasileiro à luz das diretrizes da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), com foco no potencial pedagógico de três canais de divulgação científica no YouTube — Nerdologia, Space Today e Ciência Todo Dia. A pesquisa segue abordagem qualitativa e documental, combinando revisão bibliográfica, análise do texto normativo da BNCC e avaliação crítica de conteúdos audiovisuais. A análise partiu do mapeamento das competências e habilidades relacionadas à Astronomia no componente de Ciências da Natureza, identificando pontos de convergência com temáticas exploradas nos canais estudados. Em seguida, foram elaborados quadros comparativos que relacionam habilidades específicas da BNCC a vídeos selecionados, evidenciando como diferentes formatos narrativos e estratégias comunicacionais podem apoiar o desenvolvimento de capacidades como a interpretação de fenômenos em múltiplas escalas, a argumentação baseada em evidências e a modelagem de processos astronômicos. Os resultados revelam que, embora a Astronomia esteja formalmente prevista no currículo, sua implementação prática encontra barreiras significativas, como lacunas na formação inicial e continuada de professores, escassez de materiais didáticos atualizados e ausência de diretrizes metodológicas claras. Nesse cenário, o uso mediado de conteúdos digitais pode funcionar como recurso complementar relevante, desde que inserido em propostas pedagógicas estruturadas e integradas a metodologias ativas, como sala de aula invertida, aprendizagem baseada em projetos e resolução de problemas. Conclui-se que a integração estratégica de mídias digitais — especialmente vídeos de divulgação científica — ao ensino da Astronomia potencializa o letramento científico, amplia o engajamento estudantil e contribui para a popularização da ciência, favorecendo uma aprendizagem mais significativa e contextualizada.
PALAVRAS-CHAVE: Astronomia; Ensino Médio; BNCC; Divulgação Científica; YouTube.
ABSTRACT: This study investigates the inclusion of astronomy in Brazilian high schools in light of the guidelines of the National Common Core Curriculum (BNCC), focusing on the pedagogical potential of three science communication channels on YouTube—Nerdologia, Space Today, and Ciência Todo Dia. The research follows a qualitative and documentary approach, combining a literature review, analysis of the BNCC normative text, and critical evaluation of audiovisual content. The analysis began with the mapping of competencies and skills related to astronomy in the Natural Sciences component, identifying points of convergence with themes explored in the channels studied. Next, comparative tables were drawn up relating specific BNCC skills to selected videos, highlighting how different narrative formats and communication strategies can support the development of skills such as the interpretation of phenomena on multiple scales, evidence-based argumentation, and the modeling of astronomical processes. The results reveal that, although Astronomy is formally included in the curriculum, its practical implementation faces significant barriers, such as gaps in initial and continuing teacher training, a shortage of up-to-date teaching materials, and a lack of clear methodological guidelines. In this scenario, the mediated use of digital content can serve as a relevant complementary resource, provided that it is incorporated into structured pedagogical proposals and integrated with active methodologies, such as the flipped classroom, project-based learning, and problem solving. It can be concluded that the strategic integration of digital media — especially scientific dissemination videos — into the teaching of astronomy enhances scientific literacy, increases student engagement, and contributes to the popularization of science, promoting more meaningful and contextualized learning.
KEY WORDS: Astronomy; High School; BNCC; Scientific Dissemination; YouTube.
1. Introdução
A Astronomia, uma das ciências mais antigas, conta com registros milenares de observações celestes por civilizações como egípcia, mesopotâmica, chinesa, maia e grega, que a utilizaram para fins agrícolas, marítimos, religiosos e na criação de calendários e instrumentos (Silva; Oliveira, 2022; Kragh, 2019).
Além de organizar a vida social, impulsionou áreas como Matemática e Engenharia, mantendo relevância cultural e filosófica. Mudanças de paradigma, como a transição do geocentrismo para o heliocentrismo, transformaram não apenas a ciência, mas também a visão de mundo (Kuhn, 2017). No cenário educacional atual, a Astronomia estimula curiosidade, pensamento crítico e compreensão de fenômenos naturais complexos, articulando-se a diversas áreas — Física, Química, Geografia, Matemática, História e Filosofia — e abordando temas avançados como relatividade, astrobiologia e cosmologia (Marcelino et al., 2023; Borges; Silva, 2021). A BNCC insere a Astronomia em Ciências da Natureza e suas Tecnologias, prevendo competências como análise de fenômenos em diferentes escalas, argumentação fundamentada e uso de modelos explicativos (BRASIL, 2017), alinhando-se a tendências internacionais (Bybee, 2013; Harlen, 2010).
Apesar disso, sua aplicação no Ensino Médio enfrenta obstáculos: lacunas na formação docente, falta de materiais e infraestrutura e ausência de diretrizes metodológicas claras (Oliveira; Carvalho, 2023; Langhi; Nardi, 2012), resultando em abordagens superficiais e fragmentadas. Plataformas digitais surgem como alternativa para suprir parte dessas carências. O YouTube, em especial, oferece conteúdos acessíveis e atualizados, com canais como Nerdologia, Space Today e Ciência Todo Dia que, cada um a seu modo, combinam rigor científico e linguagem atraente, explorando o conceito de edutenimento (Albagli; Pereira; Maciel, 2022; Mendes; Gonzaga; Moura, 2019). Este estudo analisa como esses canais podem ser incorporados ao ensino de Astronomia, alinhados à BNCC e mediados pedagogicamente, de modo a favorecer práticas de aprendizagem ativa, letramento científico e formação crítica.
2. Desenvolvimento
2.1 Competências e habilidades da BNCC para Astronomia
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento normativo que orienta os currículos da Educação Básica brasileira, estabelece que as Ciências da Natureza devem promover a compreensão do mundo natural e tecnológico por meio da investigação, da análise crítica de informações e da aplicação de modelos explicativos (BRASIL, 2017). Nesse contexto, a Astronomia é inserida como conteúdo estruturante, articulando conceitos da Física, Química, Geografia e Matemática com uma perspectiva histórica e cultural da ciência.
No Ensino Médio, a BNCC vincula a Astronomia a eixos que vão desde a observação e descrição de fenômenos celestes — como fases da Lua e eclipses — até a análise de teorias cosmológicas, como o Big Bang e a expansão do universo. As competências gerais que dialogam diretamente com a Astronomia incluem:
- Interpretação de fenômenos naturais em diferentes escalas temporais e espaciais;
- Análise crítica de evidências científicas para formular argumentos;
- Aplicação de conceitos e modelos científicos para explicar fenômenos observados.
Além dessas competências, destacam-se habilidades específicas, como:
- EM13CNT201 – Analisar modelos históricos e contemporâneos para explicar fenômenos astronômicos;
- EM13CNT204 – Explicar o movimento da Terra e de outros corpos celestes com base nas interações gravitacionais;
- EM13CNT205 – Avaliar criticamente interpretações científicas, considerando limites e incertezas;
- EM13CNT301 – Discutir teorias sobre a origem e evolução do universo.
Apesar de sua relevância, a BNCC não define metodologias obrigatórias para o ensino de Astronomia, deixando espaço para que redes de ensino e professores escolham estratégias adequadas ao perfil de seus estudantes. Essa flexibilidade abre possibilidades para inovações didáticas, mas, conforme apontam Oliveira e Carvalho (2023), também pode gerar lacunas quando não há suporte institucional nem formação docente especializada.
2.2 Desafios estruturais e pedagógicos
A presença da Astronomia nos documentos oficiais contrasta com a realidade de muitas escolas brasileiras. Estudos de Silva e Oliveira (2022) e Marcelino et al., (2023) indicam que a ausência de infraestrutura adequada — como telescópios, softwares de simulação e espaços de observação — compromete a vivência prática e investigativa da disciplina. Em muitos casos, o ensino de Astronomia resume-se a aulas expositivas apoiadas em livros didáticos, com pouca exploração de recursos visuais e experiências concretas.
Outro desafio é a formação docente. Professores de Física, tradicionalmente responsáveis por ministrar conteúdos astronômicos, frequentemente não tiveram disciplinas específicas na graduação ou receberam formação superficial na área (Langhi; Nardi, 2012). Essa lacuna contribui para insegurança e limitações na abordagem dos conteúdos, que acabam concentrados em eventos pontuais, como eclipses ou datas comemorativas, sem integração ao currículo anual.
Os livros didáticos, por sua vez, ainda apresentam conteúdos astronômicos de forma fragmentada, muitas vezes em capítulos isolados que não dialogam com Geografia, História da Ciência ou Filosofia (Oliveira; Carvalho, 2023). Esse isolamento dificulta a compreensão interdisciplinar e reduz as oportunidades de contextualização social, cultural e histórica da Astronomia.
2.3 Divulgação científica digital como recurso educativo
O cenário educacional contemporâneo encontra-se imerso em uma ecologia midiática marcada pela onipresença da cultura digital, na qual os estudantes não apenas consomem conteúdo, mas também o produzem e compartilham em redes sociais e plataformas de streaming. Ferramentas como YouTube, TikTok, Instagram Reels e podcasts científicos transformaram a lógica tradicional de acesso à informação, tornando o conhecimento mais fragmentado, multimodal e sob demanda (Buckingham, 2015).
O YouTube, em especial, destaca-se pela capacidade de integrar diferentes linguagens — textual, visual e sonora — em um mesmo recurso didático. Combinando imagens de alta resolução, simulações computacionais, animações, infográficos dinâmicos e narrações envolventes, a plataforma permite traduzir conceitos científicos complexos para formatos atrativos e de fácil assimilação (Albagli; Pereira; Maciel, 2022). Essa característica é particularmente relevante para o ensino da Astronomia, que se beneficia de recursos visuais para explicar fenômenos de grande escala, como a formação de galáxias, ou de eventos efêmeros, como eclipses e trânsitos planetários.
No contexto brasileiro, canais como Nerdologia, Space Today e Ciência Todo Dia conquistaram milhões de visualizações e fidelizaram um público heterogêneo, formado majoritariamente por adolescentes e jovens adultos. Esse alcance demonstra não apenas o apelo das narrativas científicas audiovisuais, mas também a possibilidade de as inserir estrategicamente no planejamento escolar como ferramentas complementares ao currículo formal.
Estudos sobre edutenimento — conceito que resulta da fusão dos termos education e entertainment — evidenciam que a associação entre diversão e aprendizado favorece tanto a motivação intrínseca quanto a retenção de conteúdos (Mendes; Gonzaga; Moura, 2019; Falk et al., 2018). Ao trabalhar com vídeos que unem rigor científico e apelo narrativo, o professor pode criar um ambiente de aprendizagem mais engajador e menos centrado na exposição verbal tradicional.
Entretanto, para que esses recursos cumpram seu potencial formativo, é necessária uma mediação pedagógica intencional e crítica. Isso significa que o docente deve contextualizar o material antes da exibição, direcionar a atenção dos estudantes para aspectos-chave, propor atividades investigativas posteriores e incentivar a análise crítica das informações. Sem essa curadoria e condução, existe o risco de o consumo ser passivo, superficial e até suscetível a interpretações equivocadas.
2.4 Análise dos canais de divulgação científica
A eficácia da integração entre divulgação científica e currículo escolar depende não apenas da qualidade intrínseca do conteúdo, mas também do modo como ele é incorporado às práticas pedagógicas. Conforme defendem Lima et al., (2022) e Costa Jr et al., (2018), recursos digitais ganham potência quando articulados a metodologias ativas, que colocam o estudante como protagonista do processo de aprendizagem. Entre as mais adequadas para o uso de vídeos científicos, destacam-se:
- Sala de aula invertida (flipped classroom): nessa abordagem, o vídeo é disponibilizado para visualização prévia, liberando o tempo presencial para a resolução de dúvidas, discussões em grupo, experimentos e simulações. Isso permite aprofundar o conteúdo e adaptá-lo ao ritmo da turma.
- Aprendizagem baseada em projetos (ABP): o conteúdo dos vídeos funciona como disparador para investigações interdisciplinares que envolvem pesquisa bibliográfica, experimentação e comunicação dos resultados. No ensino de Astronomia, por exemplo, um vídeo sobre exoplanetas pode originar um projeto de modelagem de sistemas planetários em escala reduzida.
- Resolução de problemas: nessa metodologia, os conceitos apresentados nos vídeos são aplicados à resolução de desafios reais ou simulados. Um vídeo sobre mecânica orbital pode servir de base para que os estudantes calculem a trajetória de um satélite hipotético.
Cada canal de divulgação científica analisado neste estudo apresenta características específicas que dialogam com competências e habilidades distintas da BNCC:
- Space Today: indicado para aprofundamento conceitual e atualização científica, trazendo o “estado da arte” das descobertas astronômicas. A linguagem técnica requer preparação prévia, mas pode ser um recurso de alto valor para EM13CNT204 e EM13CNT209.
- Nerdologia: ideal para despertar o interesse inicial, aproximando temas científicos de referências culturais já familiares aos estudantes, o que favorece a contextualização e o pensamento crítico. É particularmente útil para EM13CNT201 e EM13CNT205.
- Ciência Todo Dia: combina clareza conceitual e recursos gráficos para introduzir ou consolidar conceitos complexos, sendo eficiente para temas ligados a EM13CNT201 e EM13CNT204.
Essas análises preliminares são detalhadas nos quadros comparativos apresentados na sequência, os quais relacionam diretamente as competências e habilidades da BNCC com exemplos concretos de vídeos de cada canal, indicando também possibilidades de aplicação pedagógica.
Dessa forma, a análise dos canais de divulgação científica permite identificar convergências entre suas características e as competências e habilidades previstas na BNCC, especialmente no que se refere à interpretação de fenômenos, à argumentação fundamentada e à construção de modelos explicativos. Essa síntese abre caminho para a avaliação de seu potencial pedagógico, apresentada na seção seguinte, na qual são discutidos os resultados dessa articulação entre mídias digitais e ensino formal de Astronomia.
2.4.1 Quadro comparativo BNCC ↔ Space Today
O Space Today, criado por Sérgio Sacani, destaca-se pelo rigor conceitual e pela atualização constante de informações. Seu conteúdo é pautado em artigos científicos recentes, comunicados de agências espaciais e observatórios internacionais. Com vídeos que exploram desde eventos astronômicos pontuais até temas de fronteira da cosmologia, o canal é especialmente útil para habilidades que envolvem análise de fenômenos e aplicação de modelos científicos.
Quadro 1 - Comparativo BNCC ↔ Space Today
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Competência/Habilidade BNCC |
Vídeo do Space Today (título e data) |
Potencial aplicação pedagógica |
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EM13CNT201 – Analisar interação Sol-Terra-Lua |
“Por Que Não Temos Eclipse Todo Mês?” |
Estudo de eclipses com simulações e análise de imagens reais |
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EM13CNT202 – Explicar movimento dos planetas |
“Que Tal Plutão Voltar a Ser Planeta?” |
Discussão de modelos astronômicos e classificação de corpos celestes |
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EM13CNT301 – Discutir origem e evolução do Universo |
“O que Aconteceu Antes do Big Bang? Veja a Resposta de Stephen Hawking” |
Debate em sala de aula sobre cosmologia e fronteiras do conhecimento científico. |
Fonte: Adaptado de BRASIL (2017) e Space Today (2017-2025)
2.4.2 Quadro comparativo BNCC ↔ Nerdologia
O Nerdologia, criado por Átila Iamarino e Filipe Figueiredo, diferencia-se pelo uso de elementos da cultura pop — filmes, séries, quadrinhos e games — como ponto de partida para explicar conceitos científicos. Essa estratégia aproxima a ciência do repertório cultural dos estudantes e estimula a argumentação crítica, especialmente quando se confronta ficção e evidências científicas.
Quadro 2 - Comparativo BNCC ↔ Nerdologia
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Competência/Habilidade BNCC |
Vídeo do Nerdologia(título e data) |
Potencial aplicação pedagógica |
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EM13CNT202 – Explicar movimento dos planetas |
“Gravidade” |
Modelagem matemática da gravitação e relação com órbitas planetárias |
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EM13CNT301 – Discutir origem e evolução do Universo |
“O começo de tudo?” |
Histórico das evidências do modelo do Big Bang |
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EM13CNT203 – Interpretar representações gráficas |
“A revolução das medidas?” |
Evolução das unidades de medidas e suas grandezas físicas. |
Fonte: Adaptado de BRASIL (2017) e Nerdologia (2021-2022)
2.4.3 Quadro comparativo BNCC ↔ Ciência Todo Dia
O Ciência Todo Dia, criado por Pedro Loos, aposta em animações e metáforas visuais para explicar conceitos abstratos da Física e da Astronomia. Sua linguagem é clara, visualmente estimulante e adequada a diferentes níveis de compreensão, o que favorece a inclusão de estudantes com diferentes ritmos de aprendizagem.
Quadro 3 - Comparativo BNCC ↔ Ciência Todo Dia
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Competência/Habilidade BNCC |
Vídeo do Ciência Todo Dia (título e data) |
Potencial aplicação pedagógica |
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EM13CNT301 – Discutir origem e evolução do Universo |
“Para ONDE o UNIVERSO está EXPANDINDO?” |
Análise de modelos cosmológicos e debate interdisciplinar com filosofia |
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EM13CNT203 – Interpretar representações gráficas |
“A Relatividade Geral Explicada” |
Simulação com aplicativos que demonstram dilatação temporal |
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EM13CNT201 – Analisar interação Sol-Terra-Lua |
“E Se a Terra Parasse de Girar?” |
Estudo de consequências físicas e biológicas com base em evidências científicas |
Fonte: Adaptado de BRASIL (2017) e Ciência Todo Dia (2021-2022)
Dessa forma, a análise dos canais de divulgação científica permite identificar convergências entre suas características e as competências e habilidades previstas na BNCC, especialmente no que se refere à interpretação de fenômenos, à argumentação fundamentada e à construção de modelos explicativos. Essa síntese abre caminho para a avaliação de seu potencial pedagógico, apresentada na seção seguinte, na qual são discutidos os resultados dessa articulação entre mídias digitais e ensino formal de Astronomia.
3. Materiais e Métodos
Este trabalho caracteriza-se como uma pesquisa qualitativa de caráter exploratório e bibliográfico, fundamentada na análise de artigos científicos, documentos oficiais e materiais de divulgação científica em plataformas digitais. O objetivo central foi investigar como a Astronomia, enquanto conteúdo previsto pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), pode ser potencializada no Ensino Médio por meio do uso pedagógico de canais de divulgação científica no YouTube.
A escolha pela abordagem qualitativa deve-se ao fato de que ela possibilita interpretar fenômenos educacionais em suas dimensões sociais, culturais e discursivas, sem a necessidade de quantificação numérica, mas priorizando a compreensão e interpretação crítica dos dados.
O levantamento bibliográfico contemplou artigos acadêmicos nacionais e internacionais, além de textos oficiais, como a própria BNCC. Foram selecionados materiais que discutem tanto a inserção da Astronomia no currículo escolar quanto o papel das tecnologias digitais e mídias audiovisuais no processo de ensino-aprendizagem. O critério de inclusão foi a relevância para os seguintes eixos:
- Ensino de Astronomia no contexto da BNCC;
- Estratégias pedagógicas mediadas por tecnologias digitais;
- Potencial dos canais de divulgação científica na formação do pensamento crítico.
Além da literatura acadêmica, o estudo realizou uma análise de conteúdo de três canais de divulgação científica no YouTube: Nerdologia, Space Today e Ciência Todo Dia. A análise considerou aspectos como:
- Linguagem utilizada;
- Recursos audiovisuais;
- Natureza dos temas abordados;
- Potenciais articulações com competências e habilidades previstas na BNCC.
A triangulação entre bibliografia especializada, documentos normativos e análise dos canais buscou conferir robustez teórica ao estudo, além de assegurar coerência metodológica entre os objetivos da pesquisa e as estratégias empregadas.
4. Resultados e Discussão
A análise qualitativa revelou que os canais Space Today, Nerdologia e Ciência Todo Dia apresentam potencial expressivo para a integração curricular no Ensino Médio, especialmente no ensino de Astronomia, ainda que cada um deles possua limitações e especificidades que exigem mediação docente criteriosa. O Quadro 4 sintetiza essas potencialidades, mas a análise interpretativa permite observar de forma mais aprofundada suas contribuições e limites pedagógicos.
Quadro 4 - Comparativo entre canais
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Canal |
Potencialidades |
Limitações |
Habilidades BNCC |
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Space Today |
Conteúdo atual e rigor científico; abordagem detalhada de fenômenos e missões espaciais; uso de fontes confiáveis (NASA, ESA, artigos revisados por pares). |
Linguagem técnica; vídeos extensos que podem exigir recortes; necessidade de preparação prévia dos alunos. |
EM13CNT201, EM13CNT204, EM13CNT301 |
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Nerdologia |
Integração com cultura pop; linguagem acessível; alto potencial de engajamento inicial; estimula pensamento crítico. |
Alguns temas superficiais para objetivos mais técnicos; risco de foco excessivo na narrativa. |
EM13CNT202, EM13CNT205, EM13CNT301 |
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Ciência Todo Dia |
Uso de analogias e recursos gráficos; clareza conceitual; favorece a compreensão de conceitos abstratos; estimula interdisciplinaridade. |
Menor frequência de vídeos sobre Astronomia; alguns episódios mais reflexivos que factuais. |
EM13CNT201, EM13CNT203, EM13CNT301 |
Fonte: Elaboração própria a partir de BRASIL (2017), Mendes et al., (2019), Albagli et al., (2022), Lima et al., (2022) e Monteiro (2023)
4.1 Space Today: aprofundamento e atualização científica
Conforme sintetizado no Quadro 4, o Space Today destaca-se pelo rigor científico e pela atualização constante de seus conteúdos configuram-no como um canal relevante para o aprofundamento conceitual e a aproximação dos estudantes com o estado da arte da Astronomia. Seus vídeos abordam descobertas recentes, como a detecção de exoplanetas, a cosmologia observacional e os avanços oriundos do telescópio James Webb. Essa característica dialoga diretamente com as habilidades EM13CNT201, EM13CNT204 e EM13CNT301 da BNCC, pois favorece a compreensão de fenômenos celestes e a reflexão sobre a origem e evolução do universo (BRASIL, 2017). Entretanto, a linguagem técnica e o detalhamento elevado podem gerar sobrecarga cognitiva em alunos com menor repertório prévio, conforme discutido por Sweller (2011) na Teoria da Carga Cognitiva. Nesse sentido, a função do professor como mediador é essencial, cabendo-lhe selecionar trechos específicos, preparar atividades introdutórias e estimular debates que facilitem a apropriação conceitual. Tal mediação é corroborada por Lima et al., (2022), que defendem o uso de vídeos científicos como estratégia de estímulo ao pensamento crítico, desde que integrados a sequências didáticas contextualizadas.
4.2 Nerdologia: ponte cultural e engajamento inicial
No caso do Nerdologia, observa-se, a partir do Quadro 4, que o canal se apresenta como ponteentre a cultura pop e a ciência, favorecendo o engajamento inicial dos estudantes por meio da associação de filmes, séries, quadrinhos e jogos eletrônicos com conceitos astronômicos. Essa estratégia reforça o princípio da aprendizagem significativa defendido por Ausubel (2003), segundo o qual, novos conceitos são assimilados de forma mais efetiva quando conectados ao repertório cultural prévio do aprendiz. Alinhado às habilidades EM13CNT202 e EM13CNT205, o canal instiga a análise crítica de fenômenos físicos representados na ficção, como viagens interestelares e buracos de minhoca, possibilitando que o estudante diferencie ficção científica de conhecimento científico validado. Todavia, como indicam Mendes, Gonzaga e Moura (2019), o risco reside na superficialidade de alguns episódios, em que a narrativa envolvente sobrepõe-se à densidade conceitual. Essa constatação reforça a necessidade de curadoria docente, de modo a selecionar episódios que conciliem entretenimento e rigor, complementando-os com leituras ou atividades experimentais. Nesse ponto, Goulart (2019) lembra que a popularização científica só se torna recurso pedagógico efetivo quando mediada criticamente, evitando a passividade e promovendo investigação ativa em sala de aula.
4.3 Ciência Todo Dia: clareza conceitual e visualização de fenômenos
Já o Ciência Todo Dia, conforme destacado no Quadro 4, por sua vez, ganha destaque pelo equilíbrio entre clareza conceitual e fundamentação teórica, utilizando animações, analogias visuais e metáforas como recursos didáticos. Essa característica favorece a compreensão de conceitos abstratos, como a relatividade geral e a curvatura do espaço-tempo, em consonância com as habilidades EM13CNT201, EM13CNT203 e EM13CNT301 da BNCC.
A utilização de recursos gráficos reforça o que Mayer (2009) denomina de “aprendizagem multimídia”, segundo a qual a integração de palavras e imagens potencializa a construção de representações mentais. Apesar dessa vantagem, a menor frequência de vídeos voltados especificamente à Astronomia limita seu uso como fonte exclusiva, exigindo complementação com materiais de outros canais ou de bibliografia especializada. Monteiro (2023) enfatiza que a associação desse tipo de recurso às metodologias ativas, como sala de aula invertida e aprendizagem baseada em projetos, amplia o protagonismo estudantil, estimulando a formulação de hipóteses e a autonomia investigativa.
Dessa forma, considerando os diferentes enfoques apresentados, pode-se integrar os resultados em uma análise conjunta: o Space Today fortalece o aprofundamento conceitual; o Nerdologia desperta a curiosidade inicial e promove conexões culturais; e o Ciência Todo Dia contribui para a clareza e visualização de fenômenos abstratos. Essa análise evidencia que os canais não devem ser utilizados de forma isolada ou acrítica, mas integrados em propostas pedagógicas planejadas, de modo a combinar engajamento, rigor científico e metodologias inovadoras. Essa perspectiva vai ao encontro de Albagli, Pereira e Maciel (2022), que defendem o uso estratégico da divulgação científica digital como recurso complementar capaz de transformar a prática docente e aproximar os estudantes da cultura científica contemporânea.
Dessa forma, os resultados e discussão apresentados nesta seção evidenciam que os três canais analisados não apenas possuem potencialidades pedagógicas distintas, mas também complementares, cuja utilização estratégica pode enriquecer o ensino de Astronomia no Ensino Médio, em consonância com as diretrizes da BNCC.
5. Considerações Finais
A presente investigação evidenciou que a inserção da Astronomia no Ensino Médio brasileiro, embora contemplada na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), enfrenta desafios estruturais, pedagógicos e formativos que dificultam sua efetiva implementação de forma contínua e interdisciplinar. Entre os principais entraves estão a formação docente insuficiente na área, especialmente no que se refere à integração da Astronomia com outras disciplinas das Ciências da Natureza, além da escassez de recursos didáticos especializados, tanto físicos (telescópios, laboratórios) quanto digitais (softwares de simulação, bancos de dados astronômicos), bem como a falta de diretrizes metodológicas claras que orientem práticas interdisciplinares e projetos investigativos no contexto escolar.
Essas lacunas corroboram o que apontam Langhi e Nardi (2012) e Oliveira e Carvalho (2023), ao destacarem que a mera inclusão de conteúdos astronômicos nos documentos oficiais não garante sua apropriação efetiva no cotidiano escolar. É necessário um esforço coordenado entre políticas públicas, formação docente e inovação pedagógica.
Neste cenário, os canais Space Today, Nerdologia e Ciência Todo Dia emergem como ferramentas potencialmente estratégicas para o ensino de Astronomia, cada um trazendo contribuições específicas, tais como: O Space Today aproxima os estudantes do estado da arte da ciência astronômica, incentivando o contato com pesquisas e descobertas recentes; o Nerdologia atua como ponte entre o conhecimento científico e a cultura pop, favorecendo a motivação inicial e a aprendizagem significativa; e o Ciência Todo Dia apresenta conceitos complexos de forma visual e acessível, favorecendo a compreensão de fenômenos abstratos.
A análise cruzada com a BNCC demonstrou que, quando utilizados com mediação pedagógica intencional, esses recursos digitais podem favorecer o desenvolvimento de competências como o letramento científico, a argumentação baseada em evidências e a capacidade de resolver problemas complexos. Para maximizar o potencial dessas mídias, recomenda-se que professores adotem práticas como a seleção criteriosa de conteúdos digitais, considerando objetivos de aprendizagem e perfil da turma, bem como a elaboração de roteiros de análise e atividades complementares, que estimulem a reflexão crítica e a aplicação prática dos conceitos, a integração com metodologias ativas, como sala de aula invertida (Bergmann; Sams, 2012), aprendizagem baseada em projetos (Bender, 2014) e resolução colaborativa de problemas, além do uso combinado de recursos digitais e experiências presenciais, como observações astronômicas orientadas, visitas a planetários e oficinas de simulação computacional.
Além do uso pedagógico, é fundamental que as escolas e redes de ensino implementem políticas institucionais de incentivo, garantindo infraestrutura tecnológica, acesso à internet de qualidade e programas de formação continuada voltados para a utilização crítica de mídias digitais no ensino de Ciências.
Conclui-se que a articulação entre currículo, mídias digitais e metodologias inovadoras não apenas fortalece o ensino de Astronomia, mas também contribui para a formação de cidadãos capazes de compreender e avaliar questões científicas contemporâneas — desde debates sobre exploração espacial até problemáticas ambientais globais. Por fim, recomenda-se que pesquisas futuras explorem estudos de caso em escolas, analisando o impacto da integração de canais de divulgação científica no desempenho e na motivação dos estudantes, bem como investigações longitudinais que permitam avaliar os efeitos dessa abordagem no desenvolvimento do pensamento científico ao longo do tempo.
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[1]Pós-graduado em Gamificação na Educação e Gestão e Organização da Escola com Ênfase em Supervisão Escolar. E-mail: prof.janderfisica@gmail.com.
[2]Orientador: Doutor e Mestre em Engenharia, Multigraduado, Multiespecialista e Coordenador Pedagógico de Pós-Graduação e Pesquisa. Orientador e Professor de Trabalhos de Curso. E-mail: leonardo.armesto@faculdadefocus.com.br.