Aprendizagem baseada em problemas: potencial transformador na educação superior contemporânea

Aprendizagem baseada em problemas: potencial transformador na educação superior contemporânea

 

Izaque Pereira de Souza[1]

Larissa Donaire Costa[2]

Leandro Petarnella[3]

 

RESUMO: A Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP) tem se consolidado como uma das mais relevantes metodologias ativas para a educação superior contemporânea, na medida em que desloca o foco da transmissão de conteúdos para a construção autônoma e colaborativa do conhecimento. Fundamentada em aportes do construtivismo, da psicologia sociointeracionista e da pedagogia crítica, a ABP propõe o enfrentamento de situações reais e complexas como eixo estruturador do processo formativo. No percurso investigativo, os estudantes são instigados a mobilizar conhecimentos prévios, formular hipóteses, realizar pesquisas e propor soluções, em um movimento que favorece o protagonismo discente, o desenvolvimento de competências cognitivas e socioemocionais, bem como a integração entre teoria e prática. Além de redefinir o papel docente, que passa a atuar como mediador e facilitador, a ABP promove práticas pedagógicas colaborativas e dialógicas, potencializadas pelo uso de recursos tecnológicos e por estratégias de avaliação formativa e processual. A análise de experiências nacionais e internacionais demonstra a relevância da metodologia para a formação de sujeitos críticos, reflexivos e socialmente comprometidos, embora persistam desafios relacionados à formação docente, às condições institucionais e à reorganização curricular. Conclui-se que a ABP representa não apenas uma alternativa metodológica, mas uma postura pedagógica inovadora, alinhada às demandas do século XXI e capaz de contribuir significativamente para a transformação da educação superior brasileira.

 

PALAVRAS-CHAVE: Metodologias ativas; Ensino superior; Formação docente; Inovação pedagógica; Construção do conhecimento.

 

1. Introdução

Nas últimas décadas, o cenário da educação superior tem sido marcado por profundas transformações, impulsionadas por demandas sociais, avanços tecnológicos e novas perspectivas sobre o processo de ensino-aprendizagem. Tais mudanças exigem que as instituições de ensino superior (IES) repensem suas metodologias didáticas, superando práticas tradicionais centradas na transmissão unidirecional do conhecimento, em favor de abordagens mais dinâmicas, participativas e centradas no estudante.

Nesse contexto, as chamadas metodologias ativas de aprendizagem ganham crescente protagonismo, destacando-se por favorecerem a autonomia discente, a resolução de problemas reais e o desenvolvimento de competências socioemocionais e cognitivas essenciais para o mundo contemporâneo. Dentre essas metodologias, a Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP), ou Problem-Based Learning (PBL), destaca-se por sua capacidade de aproximar o conhecimento teórico da prática social, promovendo a construção significativa do saber.

Originada nos anos 1960, no âmbito dos cursos de Medicina da Universidade de McMaster, no Canadá, a ABP surgiu como uma resposta aos limites da educação tradicional e como uma estratégia para formar profissionais capazes de lidar com a complexidade dos problemas do mundo real. Desde então, vem sendo amplamente adotada e adaptada por diversas áreas do conhecimento e instituições ao redor do mundo, inclusive no Brasil, especialmente em cursos de saúde, engenharia e ciências sociais aplicadas (BARROWS, 1996; DOLMANS; SCHMIDT, 2006).

A aprendizagem baseada em problemas parte do princípio de que o conhecimento é melhor assimilado quando o estudante é instigado a buscar soluções para desafios que se aproximam da realidade que enfrentará em sua atuação profissional. Assim, o problema não é apenas um pretexto para aplicação do conteúdo aprendido previamente, mas o ponto de partida da construção do conhecimento, invertendo a lógica tradicional e tornando o discente o agente ativo de sua aprendizagem (SAVERY; DUFFY, 1995).

No Brasil, a crescente adesão à ABP vem sendo impulsionada por diretrizes curriculares nacionais que incentivam práticas pedagógicas inovadoras e centradas no estudante, bem como pelas necessidades emergentes do mercado de trabalho, que requer profissionais críticos, criativos, colaborativos e capazes de aprender de forma autônoma ao longo da vida. No entanto, sua implementação ainda enfrenta desafios estruturais, culturais e pedagógicos, especialmente no que diz respeito à formação docente, ao desenho curricular e aos mecanismos de avaliação (HERNÁNDEZ, 1998; MORAN, 2015).

Diante desse cenário, este artigo tem como objetivo apresentar uma análise da aprendizagem baseada em problemas, destacando sua concepção teórica, funcionamento prático e relevância para a educação superior. Para isso, serão discutidos os fundamentos epistemológicos da ABP, suas etapas metodológicas, exemplos de aplicação em diferentes áreas do conhecimento e os principais desafios enfrentados para sua efetiva implementação.

Assim, compreender a ABP em sua totalidade — desde seus fundamentos epistemológicos até sua aplicação concreta — é essencial para que educadores, gestores e instituições possam implementá-la de forma crítica e contextualizada. Mais do que uma técnica didática, a aprendizagem baseada em problemas representa uma postura pedagógica comprometida com a formação de sujeitos autônomos, éticos e capazes de intervir com responsabilidade na realidade que os cerca.

 

2Fundamentos Teóricos da Aprendizagem Baseada em Problemas

A Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP), também conhecida como Problem-Based Learning (PBL), fundamenta-se em uma abordagem educacional centrada no estudante, em que o processo de ensino e aprendizagem é desencadeado por situações-problema reais e complexas. Essa perspectiva está alinhada aos princípios do construtivismo e à teoria da aprendizagem significativa, conforme elaborada por Ausubel (2003), que defende que a aquisição de novos conhecimentos é mais eficaz quando relacionada a estruturas cognitivas previamente existentes.

A origem formal da ABP remonta à década de 1960, na Faculdade de Medicina da Universidade McMaster, no Canadá, onde Barrows e Tamblyn (1980) propuseram um modelo pedagógico para formar médicos mais autônomos, críticos e preparados para a prática profissional. Esse modelo logo se expandiu para outras áreas do conhecimento e instituições de ensino superior, devido à sua capacidade de promover o protagonismo discente, a integração de saberes e a articulação entre teoria e prática.

Segundo Barrows (1996), a ABP tem como base três elementos essenciais: o problema como ponto de partida para a aprendizagem, o trabalho em pequenos grupos tutoriais e o papel do professor como facilitador. A apresentação de um problema desafia o aluno a investigar, formular hipóteses e buscar soluções, mobilizando diferentes tipos de conhecimentos, habilidades e atitudes.

A teoria do desenvolvimento cognitivo de Piaget (1970) também contribui para a fundamentação da ABP, ao valorizar o papel ativo do sujeito na construção do conhecimento. Nessa perspectiva, o conhecimento não é uma cópia da realidade, mas o resultado de um processo de assimilação e acomodação contínuos. A interação com o meio, os pares e os desafios apresentados pelo problema estimulam o raciocínio lógico, a autonomia intelectual e o desenvolvimento moral.

Vygotsky (1987), por sua vez, enfatiza a importância das interações sociais e da linguagem no processo de aprendizagem. A noção de zona de desenvolvimento proximal (ZDP) indica que os alunos aprendem melhor quando realizam tarefas desafiadoras com o apoio de colegas ou mediadores mais experientes. A ABP, ao favorecer o trabalho colaborativo, cria oportunidades para que os estudantes avancem em seus processos de aprendizagem por meio do diálogo e da construção coletiva de sentidos.

Além dos clássicos da psicologia educacional, autores contemporâneos como Mizukami (1986) e Zabala (1998) reforçam que metodologias ativas como a ABP contribuem para a formação integral do sujeito, ao integrar os domínios cognitivo, afetivo e social da aprendizagem. Mizukami destaca a importância de práticas pedagógicas que priorizem a participação ativa do aluno, rompendo com o modelo tradicional de ensino baseado na memorização e na transmissão de conteúdos.

No contexto brasileiro, o Referencial Curricular Nacional para a Formação de Professores da Educação Básica (BRASIL, 2002) e as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação incentivam o uso de metodologias centradas na problematização, reconhecendo a ABP como estratégia para desenvolver competências profissionais, cidadãs e éticas.

Complementando essa discussão, Bacich e Moran (2018) apresentam a ABP como uma metodologia inovadora que promove o engajamento, a autonomia e o desenvolvimento de competências socioemocionais. Para os autores, a aprendizagem precisa estar conectada ao mundo real, ser significativa e instigadora de reflexão crítica. Nesse sentido, a ABP propicia um ambiente de aprendizagem desafiador e cooperativo, em que o erro é visto como parte do processo de construção do conhecimento.

Em síntese, a ABP se apoia em um sólido conjunto de teorias educacionais que conferem legitimidade científica à sua aplicação. Ao estimular o protagonismo estudantil, a colaboração e a investigação, a ABP se apresenta como uma metodologia coerente com os princípios de uma educação transformadora, inclusiva e voltada para a emancipação dos sujeitos.

A ABP fundamenta-se em teorias educacionais que priorizam a construção ativa do conhecimento, o pensamento crítico e o desenvolvimento de competências a partir de situações reais e desafiadoras. Seu surgimento remonta à década de 1960, na Faculdade de Medicina da Universidade de McMaster, no Canadá, com a liderança do educador Howard Barrows. A proposta visava romper com os modelos tradicionais de ensino centrados na transmissão conteudista e passiva, estabelecendo um paradigma no qual o estudante assume o papel de protagonista de sua aprendizagem (BARROWS, 1996).

Na ABP, o ponto de partida é um problema real, complexo e contextualizado, que não possui uma solução única e definitiva. Essa característica exige dos estudantes não apenas o uso de conhecimentos prévios, mas também a busca por novas informações e o desenvolvimento de habilidades analíticas, colaborativas e comunicacionais. Como destaca Schmidt (1983), a estrutura da ABP estimula processos cognitivos profundos, favorecendo a memória significativa e a transferência do conhecimento para outras situações.

A base epistemológica da ABP encontra respaldo nas teorias construtivistas de Piaget, que valorizam a atividade do sujeito na construção do conhecimento, e nas contribuições socioconstrutivistas de Vygotsky, ao enfatizar a interação social e a mediação como elementos essenciais para o desenvolvimento cognitivo. Além disso, a abordagem dialoga com a teoria da aprendizagem experiencial de David Kolb (1984), segundo a qual o conhecimento é gerado por meio da transformação da experiência em saber.

Savery e Duffy (1995), ao relacionarem a ABP à teoria do construtivismo social, afirmam que o aprendizado ocorre quando os estudantes têm a oportunidade de resolver problemas autênticos em contextos significativos, nos quais podem colaborar, refletir e construir sentido a partir da própria experiência. Dessa forma, a ABP se constitui não apenas como uma técnica metodológica, mas como uma abordagem pedagógica que pressupõe uma mudança de paradigma na relação entre ensino, aprendizagem e conhecimento.

Outro aspecto relevante da ABP é sua consonância com os pressupostos da pedagogia crítica, especialmente com as ideias de Paulo Freire, para quem a educação deve ser problematizadora, dialógica e voltada para a emancipação dos sujeitos. Ao colocar o estudante diante de problemas reais de seu contexto, a ABP promove a articulação entre teoria e prática, contribuindo para uma formação mais humanizada e comprometida com a transformação social (FREIRE, 2005).

 

2.1A Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP) na Prática

A operacionalização da Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP) no cotidiano educacional envolve uma sequência de etapas metodológicas que visam garantir o engajamento ativo dos estudantes no processo de construção do conhecimento. A primeira característica central desse modelo é a apresentação de um problema real, contextualizado e desafiador, que funciona como um estímulo à investigação e ao aprendizado autônomo.

Segundo Savery e Duffy (1995), os problemas utilizados devem ser complexos, abertos e conectados a contextos significativos para os estudantes, de modo a promover a motivação intrínseca e a mobilização de saberes prévios. O objetivo não é apenas resolver o problema, mas sim desencadear um percurso investigativo que possibilite aos estudantes desenvolver competências de pesquisa, pensamento crítico e trabalho em equipe.

O processo da ABP geralmente é dividido em cinco etapas principais: (1) leitura e compreensão do problema; (2) levantamento do conhecimento prévio; (3) formulação de hipóteses; (4) pesquisa e estudo autodirigido; e (5) apresentação e discussão das soluções. Essas etapas podem ser adaptadas de acordo com a especificidade do curso, dos objetivos de aprendizagem e do perfil dos estudantes.

Na primeira etapa, o grupo analisa cuidadosamente o enunciado do problema, identificando os elementos relevantes, as dúvidas iniciais e as possíveis conexões com conhecimentos prévios. Em seguida, os estudantes discutem o que já sabem sobre o tema e registram os conceitos ou áreas de conhecimento que precisam ser exploradas para compreender e resolver o problema. Essa autorregulação do aprendizado é essencial para o desenvolvimento da autonomia e da responsabilidade intelectual. 

A etapa seguinte envolve a formulação de hipóteses explicativas e a definição de estratégias de busca de informações. Aqui, os estudantes são estimulados a adotar uma postura investigativa, utilizando diversas fontes de informação, como livros, artigos, entrevistas, vídeos, bases de dados acadêmicas, entre outros. O estudo autodirigido é, portanto, uma etapa central da ABP, pois desloca o foco do ensino para a aprendizagem e permite que o aluno atue como protagonista de sua formação.

Após o período de investigação, os grupos se reúnem novamente para compartilhar as descobertas, debater argumentos, revisar hipóteses e propor soluções para o problema. Esse momento é rico em aprendizagem colaborativa, pois favorece o confronto de ideias, o exercício da escuta ativa, a negociação de significados e a construção coletiva do conhecimento.

O papel do professor nesse modelo é ressignificado: ele atua como mediador, tutor ou facilitador do processo de aprendizagem. Cabe ao docente criar um ambiente seguro, estimular a reflexão crítica, orientar as discussões, propor questionamentos desafiadores e auxiliar na organização do conhecimento. Como destaca Hernández (1998), o professor deixa de ser o transmissor exclusivo de conteúdos e se transforma em alguém que "aprende com os aprendentes", compartilhando saberes e experiências.

Além disso, o uso de tecnologias digitais pode potencializar o desenvolvimento da ABP, por meio de plataformas colaborativas, repositórios de conteúdo, simuladores e ambientes virtuais de aprendizagem. Essas ferramentas permitem que os estudantes acessem informações em tempo real, interajam com colegas e professores à distância e construam conhecimentos de forma coletiva e dinâmica.

A avaliação, na ABP, também assume uma natureza formativa e processual. Avaliam-se não apenas os produtos finais (como a solução apresentada ao problema), mas também o processo de aprendizagem, o grau de envolvimento dos estudantes, a qualidade das interações, a capacidade argumentativa e a evolução individual. É comum o uso de autoavaliação, avaliação entre pares e portfólios reflexivos, como forma de promover a metacognição e o desenvolvimento de competências socioemocionais.

Autores como Moran (2015) e Bell (2010) argumentam que a ABP, ao ser bem implementada, fortalece a aprendizagem significativa, aumenta o engajamento e promove o desenvolvimento de competências essenciais para o século XXI, tais como criatividade, resiliência, empatia, liderança e pensamento sistêmico. Nesse sentido, a prática da ABP transcende a simples resolução de problemas e se consolida como uma estratégia pedagógica voltada à formação de sujeitos críticos e transformadores.

Em suma, a implementação da ABP exige planejamento cuidadoso, formação docente adequada, disponibilidade de recursos pedagógicos e um ambiente institucional que valorize a inovação e o protagonismo discente. Quando bem aplicada, essa metodologia oferece aos estudantes experiências de aprendizagem profundas, contextualizadas e orientadas para a ação, contribuindo de forma efetiva para a formação integral e cidadã.

Cabe ressaltar também que a avaliação na ABP se distingue ainda modelos convencionais uma vez que,além da verificação de conteúdo, prioriza-se a avaliação processual, formativa e qualitativa, considerando aspectos como o envolvimento do estudante, a capacidade de pesquisa, a contribuição para o grupo, a argumentação e a reflexão crítica. Também se valoriza a autoavaliação e a avaliação por pares, promovendo a responsabilidade e a consciência sobre o próprio percurso de aprendizagem.

 

2.2Relevância da ABP na Educação Superior

A inserção da ABP no contexto da educação superior representa uma mudança significativa na concepção de ensino, aprendizagem e formação profissional. Ao priorizar situações autênticas e desafiadoras, a ABP contribui para o desenvolvimento de competências que transcendem o conteúdo disciplinar e se alinham às demandas do século XXI. Em um mundo caracterizado por constantes transformações tecnológicas, sociais e ambientais, é imprescindível formar sujeitos capazes de lidar com a complexidade, a incerteza...

Dentre os principais impactos positivos da ABP na educação superior, destaca-se a formação de estudantes mais críticos, reflexivos e autônomos. O contato constante com problemas reais estimula a capacidade de análise, interpretação de dados, formulação de argumentos e tomada de decisão.

Outro aspecto relevante é o fortalecimento do trabalho em equipe e da comunicação interpessoal. A natureza colaborativa da ABP exige que os estudantes dialoguem, negociem ideias, escutem diferentes pontos de vista e construam soluções coletivas.

Sob a perspectiva institucional, a adoção da ABP favorece a inovação pedagógica e o rompimento com modelos hierárquicos e conteudistas de ensino. Isso exige uma reorganização curricular, com disciplinas mais integradas, projetos interdisciplinares e avaliações mais contextualizadas. Tal movimento também impacta a formação docente, que passa a demandar profissionais com capacidade de mediação, planejamento coletivo e avaliação formativa.

A adoção da ABP em cursos de educação superior no Brasil tem se ampliado nas últimas décadas, especialmente em programas de formação na área da saúde, ciências humanas e engenharias. Um dos exemplos mais notórios é o da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), que implementou o uso da ABP em diversas disciplinas do ciclo básico e profissionalizante.

A Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) também é referência nacional na aplicação da ABP, particularmente no curso de Enfermagem. Nessa instituição, a metodologia foi incorporada de forma transversal ao longo do curso, com casos clínicos e situações simuladas que exigem a integração entre saberes teóricos e práticas assistenciais.

Na Universidade Federal do Paraná (UFPR), a ABP tem sido utilizada em cursos como Engenharia Ambiental, Psicologia e Administração Pública. A proposta pedagógica integra atividades em grupo, projetos interdisciplinares e análise de problemas locais, como gestão de recursos hídricos, inclusão escolar e sustentabilidade urbana.

Apesar das contribuições pedagógicas da ABP, sua implementação em larga escala nas instituições de ensino superior brasileiras ainda enfrenta desafios significativos. Um dos principais desafios é a formação docente. Muitos professores foram formados em modelos tradicionais de ensino, com foco na transmissão de conteúdo e na centralidade do professor. A transição para uma postura de tutor, facilitador e mediador exige não apenas capacitação técnica, mas também uma mudança de concepção sobre ensino e aprendi...

Outro entrave é a rigidez curricular. Muitos cursos ainda são organizados em grades disciplinares fragmentadas, com pouco espaço para a interdisciplinaridade e a abordagem de problemas reais. A adoção da ABP exige maior integração entre disciplinas, flexibilidade na organização dos tempos e conteúdos, além de abertura para a construção coletiva de situações-problema relevantes para os estudantes.

Do ponto de vista institucional, a falta de infraestrutura adequada é uma limitação frequente. A ABP exige espaços de aprendizagem que favoreçam o trabalho em grupo, a pesquisa, a discussão e a apresentação de soluções. Além disso, o acesso a bibliotecas atualizadas, laboratórios, tecnologias digitais e ambientes virtuais de aprendizagem é essencial para viabilizar a investigação autônoma e colaborativa.

A Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP) desponta como uma abordagem pedagógica potente para enfrentar os desafios contemporâneos da educação superior. Ao promover a autonomia, o pensamento crítico, o trabalho colaborativo e a integração entre teoria e prática, a ABP contribui significativamente para a formação de sujeitos reflexivos, competentes e socialmente comprometidos.

Conclui-se, portanto, que a Aprendizagem Baseada em Problemas representa uma estratégia relevante, viável e desejável para a educação superior brasileira. Seu potencial transformador depende do reconhecimento da complexidade dos contextos educacionais e da construção coletiva de projetos pedagógicos comprometidos com a formação integral dos sujeitos.

 

2.3Considerações Finais

A Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP) apresenta-se como uma das mais potentes metodologias ativas para promover uma educação superior alinhada às exigências do século XXI. Ao colocar o estudante no centro do processo educativo, estimular a investigação e promover a construção coletiva do conhecimento, a ABP rompe com modelos tradicionais e aproxima a universidade dos desafios reais da sociedade.

Ao longo deste artigo, foi possível compreender que a ABP não é apenas uma técnica didática, mas uma abordagem pedagógica que redefine o papel do professor, valoriza a colaboração e integra teoria e prática. Seu potencial de transformação está relacionado tanto à melhoria da aprendizagem quanto à formação de sujeitos críticos, autônomos e comprometidos com a transformação social.

Embora enfrente desafios estruturais, culturais e formativos, a ABP se consolida como uma possibilidade concreta de inovação pedagógica. As experiências analisadas, os fundamentos teóricos discutidos e as reflexões apresentadas apontam para a necessidade de ampliar sua implementação nas instituições de ensino superior, com planejamento, apoio institucional e formação continuada dos docentes.

Portanto, investir na ABP é investir em uma educação mais inclusiva, participativa e conectada com a vida. É reconhecer que o conhecimento se constrói em diálogo com os problemas do mundo e que o processo educativo deve preparar os estudantes não apenas para o mercado de trabalho, mas para a cidadania plena.

3Referências

BARROWS, Howard S. Problem-based learning in medicine and beyond: A brief overview. New Directions for Teaching and Learning, n. 68, p. 3–12, 1996.

BIGGS, John. Ensino para a qualidade de aprendizagem. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2007.

DOLMANS, Diana H. J. M.; SCHMIDT, Henk G. What do we know about cognitive and motivational effects of small group tutorials in problem-based learning? Advances in Health Sciences Education, v. 11, n. 4, p. 321–336, 2006.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 60. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.

HERNÁNDEZ, Fernando. A pedagogia do projeto:uma alternativa ao currículo escolar. Porto Alegre: Artmed, 1998.

KOLB, David A. Experiential learning: Experience as the source of learning and development. Englewood Cliffs: Prentice Hall, 1984.

MORAN, José Manuel. Mudanças na organização do trabalho docente com metodologias ativas. In: BACICH, Lilian; MORAN, José Manuel; TREVISANI, Fernando (orgs.). Metodologias ativas para uma educação inovadora: uma abordagem teórico-prática. Porto Alegre: Penso, 2015. p. 25–42.

SAVERY, John R.; DUFFY, Thomas M. Problem based learning: An instructional model and its constructivist framework. Educational Technology, v. 35, n. 5, p. 31–38, 1995.

SCHMIDT, Henk G. Problem-based learning: rationale and description. Medical Education, v. 17, n. 1, p. 11–16, 1983.

TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. 15. ed. Petrópolis: Vozes, 2014.



[1] Doutor em Educação. Coordenador e Professor no Centro Universitário FAG/PR e na Faculdade Focus/PR. Email: izaque.souza@faculdadefocus.edu.br.

[2] Mestra em Direitos Humanos. Professora na Faculdade Focus/PR. E-mail: larissa.donaire@faculdadefocus.edu.br.

[3] Doutor em Administração. Doutor em Educação. Professor na FATEC/SP e na Faculdade Focus/PR. E-mail: leandro.petarnella@faculdadefocus.edu.br