Realidade Aumentada, Simulações, Gamificação e Jogos: experimentação tecnológica
Realidade Aumentada, Simulações, Gamificação e Jogos: experimentação tecnológica
Fabiana Aparecida Rodrigues[1]
Sérgio de Oliveira Miguel[2]
RESUMO: Este artigo analisa a integração de quatro tecnologias educacionais — Realidade Aumentada, Simulações, Gamificação e Jogos — associadas à crescente utilização da Inteligência Artificial Generativa, como estratégias para promover inovação pedagógica e superar limitações das metodologias tradicionais. Com base em revisão de literatura e estudos de caso, discutem-se as contribuições individuais e o potencial transformador do uso combinado dessas ferramentas no processo de ensino-aprendizagem. A Realidade Aumentada amplia a interação com o ambiente físico e facilita a compreensão de conceitos complexos; as Simulações permitem experimentação prática em contextos seguros; a Gamificação aumenta a motivação e o engajamento; os Jogos desenvolvem habilidades cognitivas e socioemocionais; e a IA Generativa contribui para a personalização e criação de conteúdos. A análise evidencia que a aplicação integrada dessas tecnologias favorece a aprendizagem ativa, o pensamento crítico, a colaboração e a criatividade, fortalecendo competências essenciais do século XXI. Também são discutidos desafios relacionados à infraestrutura, à capacitação docente e à ética no uso das tecnologias, ressaltando que a adoção estratégica e consciente dessas abordagens é fundamental para construir ecossistemas educacionais inovadores e alinhados às demandas de uma sociedade dinâmica e em constante transformação.
PALAVRAS-CHAVE: Realidade Aumentada; Simulações; Gamificação; Jogos; Inovação Pedagógica; Metodologias Ativas.
1. Introdução
A sociedade contemporânea, marcada por rápidas transformações tecnológicas e pelo acesso constante à informação, exige uma reavaliação crítica dos modelos tradicionais de ensino (SILVA e QUEIROZ, 2016). O paradigma centrado no professor como único detentor do conhecimento e no aluno como receptor passivo mostra-se cada vez menos eficaz para atender às demandas da chamada “geração digital” — uma população altamente familiarizada com recursos tecnológicos e que busca interatividade no processo de aprendizagem (SEFTON e GALINI, 2022). Quando baseada apenas na memorização e reprodução de conteúdos, essa abordagem tende a ignorar diferenças individuais e a limitar a aplicação prática do conhecimento, gerando desmotivação e dificultando o desenvolvimento de competências essenciais aos métodos atuais de educação (PEREIRA e SILVA 2014.).
Diante desse cenário, este capítulo considera a contribuição de quatro tecnologias digitais emergentes — Realidade Aumentada (RA), Simulações, Gamificação e Jogos — como alternativas capazes de responder aos desafios pedagógicos atuais (BARBOSA e MOURA, 2013) (OLIVEIRA et al, 2024). O foco recai não apenas sobre o potencial individual de cada recurso, mas também sobre os benefícios de sua integração sinérgica, capaz de criar ecossistemas de aprendizagem dinâmicos, interativos e centrados no estudante (COSTA, 2016).
Entre os objetivos principais, destacam-se: superar a transmissão passiva de conhecimento, promover experiências de aprendizagem ativa e envolvente, facilitar a compreensão de conceitos abstratos e estimular o desenvolvimento de competências como pensamento crítico, colaboração e criatividade (BIANCHESSI, 2024).
A estrutura deste capítulo está organizada da seguinte forma: inicialmente, apresentam-se os conceitos e características de cada tecnologia; na sequência, discute-se a eficácia de cada uma no envolvimento do aluno e na sua respectiva aprendizagem; depois, analisa-se o potencial de sua integração para desenvolver ambientes de ensino inovadores; e, por fim, abordam-se os desafios de implementação e as questões éticas associadas ao seu uso.
2. Fundamentação Teórica: Conceitos e Distinções
Para compreender plenamente o potencial pedagógico das tecnologias abordadas neste capítulo, torna-se essencial estabelecer distinções claras entre suas características, objetivos e contextos de aplicação. Essa diferenciação permite orientar escolhas metodológicas mais assertivas, garantindo que cada recurso seja utilizado de forma alinhada às demandas de aprendizagem e às especificidades do público-alvo.
2.1. Realidade Aumentada (RA)
A Realidade Aumentada (RA) é uma tecnologia multissensorial que integra elementos virtuais ao ambiente físico, expandindo as possibilidades de interação do usuário com o mundo real (SILVA et al, 2025). Diferencia-se da Realidade Virtual (RV) por preservar o contexto físico do usuário, acrescentando objetos, informações ou animações digitais sobre a realidade percebida. Essa característica, somada à facilidade de acesso por meio de dispositivos comuns como webcams, celulares e tablets, sem necessidade de equipamentos especializados, tem impulsionado sua adoção no campo educacional (CAROLEI e TORI, 2014). No contexto de ensino, a RA potencializa a compreensão de conceitos complexos ao criar experiências imersivas, interativas e contextualizadas, sendo aplicável tanto no ensino presencial quanto na educação a distância (LIMA et al, 2025).
2.2. Simulações Educacionais
As simulações educacionais representam uma estratégia pedagógica que recria, em ambiente virtual, cenários ou fenômenos do mundo real, permitindo ao estudante vivenciar situações de forma controlada, segura e repetível (HEIZER et al, 2025), (AGUIAR e SCHIMIGUEL 2025). Ao assumir o papel de protagonista, o aluno é estimulado a experimentar, praticar e aplicar conceitos teóricos em contextos que se aproximam da realidade, favorecendo a aprendizagem significativa. Pesquisas indicam que, no ensino de física, simulações interativas como as da plataforma PhET podem igualar ou superar os resultados obtidos em laboratórios presenciais, especialmente na compreensão de fenômenos complexos ou invisíveis, como os campos magnéticos (MEDEIROS; NAIA; LOPES, 2024).
2.3. Gamificação vs. Jogos Sérios
Embora compartilhem alguns elementos, gamificação e jogos sérios apresentam finalidades e abordagens distintas. A gamificação consiste na aplicação de elementos e dinâmicas típicos de jogos — como pontuação, desafios, recompensas e rankings — em contextos não lúdicos, com o objetivo de estimular engajamento, motivação e participação ativa (FONTANA et al., 2023), (ALMEIDA et al, 2024). Trata-se de uma estratégia metodológica recente, originada no contexto da cibercultura, que adapta recursos lúdicos para potencializar experiências de aprendizagem.
Os jogos sérios, por sua vez, são jogos completos que preservam todas as estruturas essenciais — regras, narrativa, mecânicas e objetivos —, mas cujo foco principal é educativo, de treinamento ou terapêutico, indo além do simples entretenimento (SILVA; SALES; CASTRO, 2019). (SILVA; LIMA, 2020).
Essa diferenciação conceitual é fundamental, pois a confusão entre os dois formatos pode comprometer o planejamento pedagógico e reduzir a eficácia das experiências, resultando em aprendizagens superficiais ou resultados abaixo do esperado.
Tabela 1: Comparativo de Ferramentas Pedagógicas Inovadoras
|
Característica |
Realidade Aumentada (RA) |
Simulações |
Gamificação |
Jogos Sérios |
|
Definição |
Sobrepõe elementos virtuais ao ambiente real (KUYVEN, 2018.). |
Recria cenários da vida real em um ambiente seguro (OLIVIERI; ZAMPIN, 2024). |
Aplica elementos de jogos em contextos não lúdicos (CAMATTA, 2025). |
Jogo completo com propósito pedagógico, não apenas entretenimento (CAMATTA, 2025). |
|
Objetivo Pedagógico Central |
Enriquecer o ambiente físico com informações interativas (ASSUNÇÃO, 2021). |
Permitir a experimentação e a aplicação de conceitos de forma segura (OLIVIERI; ZAMPIN, 2024). |
Aumentar o engajamento, a motivação e a participação (LEMES e SANCHES, 2016) (COSTA, 2022). |
Transmitir mensagens, ensinar e fornecer experiências de aprendizado por meio de uma atividade lúdica (MIRANDA et al, 2023). |
|
Estrutura de Design |
Depende de um objeto ou marcador físico para sobrepor o conteúdo digital (QUADROS; MUROFUSHI; PEREIRA, 2021). |
Baseada em modelos que replicam a realidade ou conceitos abstratos (VOSS; NUNES; MEDINA, 2013) DANTAS et al, 2022). |
Uso de mecânicas e dinâmicas de jogos isoladas (pontos, rankings, missões) (ROSA, 2019; PILLAR; DORNELES, 2021). |
Possui todas as estruturas de um jogo: regras, narrativa, objetivos e recompensas intrínsecas (DANTAS et al, 2022; VOSS; NUNES; MEDINA, 2013). |
|
Exemplos de Aplicação |
Visualizar circuitos de eletroeletrônica em 3D sobre um diagrama (JÚNIOR; OLIVEIRA; ZORZAL, 2021). |
Simulação da física de fenômenos invisíveis, como campos magnéticos (MEDEIROS JR,; NAIA; LOPES, 2024). |
Sistema de pontos em uma disciplina ou um quiz online com ranking (AL, s.d.; EDUCACIONAL, 2025). |
Jogo CyberCIEGE para ensinar segurança em redes de computadores (TISE, 2013). |
A Tabela 1 apresenta uma comparação estruturada entre quatro abordagens pedagógicas inovadoras — Realidade Aumentada, Simulações, Gamificação e Jogos Sérios — organizadas segundo definição, objetivo pedagógico central, estrutura de design e exemplos de aplicação. Essa sistematização permite identificar, de forma clara, tanto as particularidades de cada recurso quanto seus potenciais pontos de convergência. Ao fornecer uma visão detalhada de suas características e usos, a tabela serve como guia para a escolha e integração dessas tecnologias no planejamento educacional, contribuindo para o desenvolvimento de práticas de ensino mais engajadoras, imersivas e alinhadas às competências exigidas no século XXI.
Figura 1 – Representação visual comparativa das abordagens pedagógicas inovadoras analisadas (Realidade Aumentada, Simulações, Gamificação e Jogos Sérios).
Fonte: elaboração própria.
3. O Potencial Transformador: Engajamento, Compreensão e Habilidades do Século XXI
As tecnologias educacionais inovadoras configuram-se como uma resposta eficaz à passividade típica do ensino tradicional, pois oferecem metodologias e recursos que tornam os alunos participantes ativos no processo de aprendizagem. Ao substituir práticas centradas apenas na transmissão de conteúdo por experiências mais interativas, colaborativas e relacionadas ao contexto real, essas tecnologias estimulam maior envolvimento e compreensão, contribuindo para um aprendizado significativo e duradouro (OLIVIERI, 2024).
3.1. Engajamento e Motivação
A Realidade Aumentada, por seu alto grau de interatividade, transforma o aprendizado em uma experiência mais dinâmica e estimulante, capaz de manter os alunos concentrados e interessados. Esse recurso se destaca especialmente no ensino a distância, onde a necessidade de engajamento é ainda mais crítica (LOPES et al., 2019). Já a gamificação comprova sua eficácia ao aumentar a motivação e o envolvimento dos estudantes, utilizando mecânicas típicas de jogos, como pontuação, rankings e recompensas, para criar um ambiente de aprendizado mais atrativo e participativo (SILVA; QUEIROZ, 2016; RAMOS, 2024). Por sua versatilidade, essa estratégia é aplicável a diferentes contextos, abrangendo desde o ensino básico até o superior, além de programas de capacitação e treinamentos corporativos.
3.2. Compreensão de Conceitos Complexos
Um dos maiores potenciais dessas tecnologias reside na habilidade de transformar conceitos abstratos em representações concretas e tangíveis para o estudante. A Realidade Aumentada, por exemplo, possibilita visualizar objetos e fenômenos em três dimensões, permitindo explorar e manipular conceitos de maneira mais intuitiva — recurso de grande valor em áreas como matemática, ciências e engenharia. De modo semelhante, as simulações, como as oferecidas pela plataforma PhET no ensino de física, recriam condições que permitem observar e interagir com fenômenos invisíveis ou de difícil reprodução no mundo real, favorecendo a compreensão e a aplicação prática dos conteúdos.
3.3 . Desenvolvimento de Habilidades do Século XXI
O uso consciente dessas ferramentas ultrapassa a simples transmissão de conteúdo, pois também promove o desenvolvimento de competências essenciais para o século XXI, como pensamento crítico, colaboração, criatividade e resolução de problemas. Ao integrar práticas interativas, contextuais e orientadas para a participação ativa, essas tecnologias contribuem para preparar os alunos para lidar com desafios complexos e dinâmicos da sociedade contemporânea.
● Pensamento Crítico e Resolução de Problemas: Sabemos que o pensamento crítico é a capacidade de analisar, avaliar e sintetizar informações de forma objetiva e racional. Em sua essência, não é apenas sobre ser negativo ou encontrar falhas, mas sim analisar fatos, elaborar suposições, examinar evidências e considerar diferentes perspectivas antes de chegar a uma conclusão. É um processo ativo de reflexão que nos permite navegar por um mundo complexo, cheio de informações contraditórias e argumentos muitas vezes falhos. Essa habilidade é crucial para tomar decisões informadas, resolver problemas de maneira eficaz e evitar ser manipulado por retóricas vazias. A Realidade Aumentada pode ser aplicada como ferramenta para estimular o pensamento crítico e criativo, oferecendo aos estudantes oportunidades de analisar, questionar e refletir sobre diferentes situações de aprendizagem (LIMA MAIA; LIRA BRANDT, 2021). Já os Jogos, ao simular desafios próximos aos enfrentados no mundo real, proporcionam um contexto prático para que os alunos considerem conhecimentos teóricos na solução de problemas complexos (GUIMARÃES et al., 2025). Um exemplo é o jogo CyberCIEGE, que permite ao participante gerenciar a segurança da informação em um ambiente virtual controlado, favorecendo o desenvolvimento de raciocínio técnico e crítico sem a exposição a riscos reais.
Para desenvolver o pensamento crítico, é fundamental dominar algumas competências-chave:
○ Análise: Quebrar um problema ou argumento em partes menores para entender seus componentes, permitindo a identificação de premissas e suposições que levem à conclusão.
○ Avaliação: Julgar a qualidade e a credibilidade das informações. Isso inclui verificar as fontes, identificar vieses e questionar a validade das evidências apresentadas.
○ Interpretação: Compreender o significado e a relevância das informações. Isso vai além do que é dito explicitamente e busca entender o contexto e as implicações do que está sendo comunicado.
○ Inferência: Chegar a conclusões lógicas baseadas nas evidências disponíveis. É o processo de dedução, onde uma conclusão segue necessariamente das premissas, ou de indução, onde a conclusão é provável, mas não garantida.
○ Autorregulação: Refletir sobre o próprio processo de pensamento. O pensador crítico é capaz de reconhecer e corrigir seus próprios vieses, preconceitos e erros de raciocínio.
● Colaboração e Criatividade: As metodologias ativas se baseiam no princípio de que o aluno é o protagonista do seu próprio aprendizado. Em vez de ser um receptor passivo, ele se torna um agente ativo, engajado na construção do conhecimento. A colaboração, nesse cenário, é um elemento central. Quando os alunos trabalham juntos em projetos, discussões ou atividades, eles não apenas compartilham ideias, mas também desenvolvem habilidades sociais e emocionais essenciais. Aprender a ouvir, a argumentar de forma construtiva, a respeitar opiniões diferentes e a dividir responsabilidades são competências cruciais que só podem ser desenvolvidas na interação com o outro. A colaboração transforma a sala de aula em um ambiente dinâmico, onde cada voz contribui para a riqueza do aprendizado coletivo. Quando bem estruturada, a gamificação cria um ambiente que favorece o trabalho colaborativo, motivando grupos de estudantes ou profissionais a trabalharem em conjunto para atingir objetivos compartilhados. Ao introduzir metas coletivas e desafios que exigem a contribuição de todos, essa estratégia fortalece o senso de pertencimento e interdependência entre os participantes. Além disso, estimula competências socioemocionais valiosas, como a criatividade, a autonomia e a empatia. A criatividade, por sua vez, floresce naturalmente em ambientes colaborativos. Quando os alunos são incentivados a trabalhar em grupo para resolver um problema real ou para criar algo novo, eles são estimulados a pensar "fora da caixa". A troca de perspectivas, a combinação de diferentes conhecimentos e a liberdade de propor soluções não convencionais são o motor da inovação. Em vez de simplesmente seguir uma fórmula pré-determinada, os alunos são desafiados a criar suas próprias respostas, a experimentar e a aprender com os erros. Esse processo de descoberta e invenção é o que realmente desenvolve o pensamento criativo, preparando-os para um futuro onde a adaptabilidade e a inovação são mais importantes do que nunca; Por sua vez, os Jogos podem ser projetados para desenvolver habilidades de comunicação, liderança e cooperação, simulando contextos reais nos quais o sucesso depende diretamente da coordenação e do engajamento do grupo (GUIMARÃES et al, 2023).
A colaboração e a criatividade são mais do que apenas "tendências" educacionais; são habilidades essenciais para a vida no século XXI. Ao adotar metodologias ativas, as escolas e os professores podem criar ambientes de aprendizado que não apenas transmitem conteúdo, mas também cultivam as competências que os alunos precisam para prosperar em um mundo complexo e em constante evolução. Ao trabalhar juntos para resolver problemas e inovar, os alunos aprendem a valorizar a diversidade de pensamento, a construir sobre as ideias dos outros e a ver a si mesmos como criadores e transformadores. Eles não estão apenas aprendendo o que já se sabe, mas se capacitando para criar o que ainda não existe.
4. Criando Ecossistemas de Aprendizagem Híbridos
A pandemia de 2020 não apenas acelerou, mas também impulsionou uma transformação já em curso na educação, forçando a adoção de modelos de ensino à distância em larga escala. Conforme apontam (HODGES et al., 2020), essa mudança não foi uma transição planejada, mas uma resposta emergencial que expôs tanto as potencialidades quanto os desafios do ensino online. A experiência massiva com o aprendizado remoto revelou que o futuro da educação não está em um único modelo, mas na integração estratégica do melhor dos mundos online e presencial.
Mais do que uma simples mistura de aulas, o ecossistema de aprendizagem híbrido representa uma abordagem holística e intencional. Nesse modelo, os espaços físicos e virtuais se complementam para criar uma experiência educacional coesa, flexível e centrada no estudante (GRAHAM, 2013). Essa abordagem se baseia em princípios pedagógicos que reconhecem a necessidade de uma interação significativa, tanto entre alunos e conteúdo quanto entre alunos e instrutores, e entre os próprios alunos. O conceito de blended learning (aprendizagem híbrida) proposto por Grahm é amplamente discutido na literatura e é definido por como a combinação de instrução presencial e mediada por computador. Contudo, a visão de ecossistema vai além, incorporando a ideia de que a tecnologia não é apenas uma ferramenta, mas um componente integral que molda a experiência de aprendizagem de forma fluida. Essa abordagem holística permite que o aluno tenha maior autonomia sobre seu ritmo e caminho de aprendizagem, utilizando recursos digitais para reforçar o conteúdo e o ambiente presencial para interações sociais e atividades que demandam colaboração (DZIUBAN et al., 2018).
Assim, o que emergiu da pandemia foi o entendimento de que a eficácia do aprendizado híbrido reside em sua capacidade de oferecer flexibilidade e de se adaptar às necessidades individuais dos estudantes, utilizando o design instrucional para harmonizar as interações online e offline.
A evolução da inovação pedagógica aponta para a integração sinérgica de diferentes tecnologias como caminho para criar ecossistemas de aprendizagem mais completos, adaptáveis e eficazes (OLIVEIRA et al, 2025). Estudos demonstram que a combinação de recursos como gamificação, Inteligência Artificial (IA) e Realidade Virtual é capaz de remodelar de forma significativa as práticas de ensino (LIMA JÚNIOR, 2025). Nesse cenário, a IA pode personalizar desafios e conteúdos conforme o desempenho individual, a gamificação mantém altos níveis de motivação e engajamento, enquanto a Realidade Aumentada e as simulações oferecem experiências práticas e imersivas que fortalecem a compreensão dos conteúdos.
Exemplos práticos reforçam o potencial dessa abordagem integrada. Em um estudo de caso, uma aplicação móvel combinou a visualização em 3D de diagramas de circuitos de eletroeletrônica por meio de Realidade Aumentada com técnicas de gamificação para incentivar o aprendizado e a participação dos estudantes. Outro exemplo é o jogo sério CyberCIEGE, que simula um ambiente de redes de computadores, permitindo que os alunos apliquem conceitos de segurança da informação em um contexto prático e seguro (TISE, 2013).
O sucesso de ecossistemas como esses não está apenas na adoção isolada das tecnologias, mas no design pedagógico que orienta sua aplicação. A integração coerente e intencional de diferentes recursos permite criar experiências de aprendizagem mais envolventes, interativas e alinhadas às necessidades formativas do século XXI.
5. Desafios de Implementação e a Ética da Inovação
A adoção de ecossistemas de aprendizagem híbridos traz uma série de benefícios tangíveis para alunos e educadores. Para os estudantes, a flexibilidade é um dos maiores ganhos. Eles podem avançar no seu próprio ritmo, revisitando materiais complexos e buscando aprofundamento em tópicos de interesse. Isso promove um maior senso de autonomia e responsabilidade pelo próprio aprendizado. A integração de ferramentas digitais também permite que a aprendizagem seja mais personalizada, com o uso de dados para adaptar o conteúdo às necessidades individuais e com a possibilidade de feedback imediato. Além disso, a natureza híbrida do modelo prepara os alunos para um mercado de trabalho que cada vez mais exige a capacidade de colaborar tanto presencialmente quanto a distância, desenvolvendo habilidades de comunicação digital e fluência tecnológica.
Uma das principais barreiras é garantir a equidade de acesso. A infraestrutura tecnológica, a conectividade e a disponibilidade de dispositivos não são universais, e a falta desses recursos pode aprofundar desigualdades educacionais. Além disso, a capacitação de professores é crucial. O sucesso de um ecossistema híbrido depende da habilidade dos educadores em projetar experiências de aprendizagem que integrem os ambientes físico e virtual de maneira significativa, e não apenas replicar aulas presenciais online. A manutenção do engajamento dos alunos, especialmente em formatos assíncronos, também exige estratégias pedagógicas inovadoras e uma comunicação constante e eficaz.
A adoção em larga escala de tecnologias educacionais enfrenta obstáculos relevantes que vão além da simples aquisição de recursos. Entre eles, a falta de infraestrutura adequada — que inclui equipamentos compatíveis e acesso estável à internet — representa um desafio expressivo, especialmente em instituições públicas. Entretanto, a barreira mais significativa está na capacitação docente. Muitos professores ainda se sentem inseguros quanto ao uso pedagógico das tecnologias digitais, questionando como integrá-las de forma coerente e alinhada às práticas de ensino já consolidadas (CASTRO et al, 2024). Nesse sentido, a formação continuada torna-se essencial para que a incorporação de novas ferramentas não se limite a uma tendência passageira, mas se consolide como estratégia para uma educação mais eficaz e envolvente.
Além das barreiras técnicas, a integração de tecnologias no ensino levanta questões éticas importantes. No caso da gamificação, por exemplo, é frequente a crítica à ênfase excessiva na motivação extrínseca — baseada em pontos, rankings e recompensas —, que pode entrar em conflito com o desenvolvimento da motivação intrínseca para aprender, chegando até a ser utilizada como mecanismo de controle comportamental. Já a incorporação de Inteligência Artificial traz à tona preocupações sobre privacidade de dados, vieses presentes nos algoritmos e a necessidade de garantir a equidade de acesso, evitando a ampliação das desigualdades educacionais existentes.
Para enfrentar esses dilemas, o planejamento pedagógico precisa incorporar uma abordagem ética sólida. Isso implica incluir, nos programas de formação docente, conteúdos voltados à identificação e mitigação de vieses algorítmicos, assim como à análise crítica do uso de tecnologias emergentes, incluindo a Inteligência Artificial Generativa. Considerando a alta utilização dessa tecnologia em contextos educacionais e não educacionais, é essencial que docentes e gestores compreendam seu funcionamento, potencialidades e riscos, como a produção de conteúdos enviesados, a violação de direitos autorais e a disseminação de informações incorretas. Além disso, é necessário promover uma comunicação clara e transparente sobre os benefícios e limitações dessas ferramentas para estudantes, famílias e a comunidade escolar.
6. Considerações Finais
A discussão sobre os temas apresentados acima, nos leva a uma série de conclusões inegáveis sobre a evolução da educação. A primeira é que o modelo tradicional de ensino, focado na centralização do conhecimento no professor e na sala de aula física, não é mais suficiente para atender às demandas de um mundo dinâmico e interconectado. O modelo híbrido surge não como uma alternativa temporária, mas como um movimento fundamental em direção a uma educação mais resiliente e adaptável.
Essa resiliência é um dos principais legados do ecossistema híbrido. Em um cenário de crises, as instituições que adotam essa abordagem estão mais preparadas para garantir a continuidade do processo educacional. A flexibilidade da estrutura permite que a aprendizagem persista, minimizando interrupções e assegurando que os estudantes continuem a ter acesso ao conhecimento, independentemente das circunstâncias externas. A educação se torna, assim, um sistema mais robusto e menos vulnerável a fatores imprevisíveis.
A análise das tecnologias de Realidade Aumentada, Simulações, Gamificação e Jogos Sérios evidencia o seu elevado potencial para transformar o cenário educacional, superando as limitações das metodologias tradicionais. As evidências coletadas em estudos e experiências práticas demonstram sua eficácia no aumento do engajamento, na facilitação da compreensão de conceitos complexos e no estímulo ao desenvolvimento de competências essenciais do século XXI. O diferencial, entretanto, está na integração sinérgica dessas ferramentas, resultando em ecossistemas de aprendizagem adaptáveis, imersivos e centrados no estudante.
A inovação na educação vai além da simples introdução de novas tecnologias: requer uma redefinição dos objetivos, métodos e públicos do processo de ensino-aprendizagem. Para que essa transformação seja efetiva, é imprescindível um planejamento estratégico que contemple não apenas a superação das barreiras de infraestrutura e a capacitação docente, mas também a adoção de um sólido referencial ético. Esse referencial deve abranger questões como privacidade de dados, equidade de acesso e uso responsável de tecnologias emergentes, incluindo a Inteligência Artificial Generativa.
Ao alinhar inovação tecnológica, preparo pedagógico e responsabilidade ética, a educação poderá avançar rumo a um cenário em que a experimentação, a colaboração e a aprendizagem contínua sejam não apenas metas desejáveis, mas a essência do próprio processo educativo.
7. Referências
AGUIAR, Heraldo Márcio; SCHIMIGUEL, Juliano. Abordagens educacionais inovadoras: o papel dos jogos e simulações. Cadernos Cajuína, v. 10, n. 1, p. e952-e952, 2025.
ALMEIDA, Nerilton Vidal et al. Gamificação no ensino de matemática: aumentando o engajamento e a motivação dos alunos. Revista Tópicos, v. 2, n. 14, p. 1-12, 2024.
ASSUNÇÃO, Fábio de Jesus. Tecnologias inovadoras na educação: Uso da Realidade Aumentada (RA) nos Cursos Profissionalizantes do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial–SENAI em São Luís Maranhão-Brasil. 2021.
BARBOSA, E. F.; MOURA, D. G. Metodologias ativas de aprendizagem na Educação Profissional e Tecnológica. B. Tec. Senac, Rio de Janeiro, v. 39, n. 2, p. 48-67, 2013.
BIANCHESSI, Cleber. Tecnologias digitais na educação: dos limites às possibilidades–Vol. 7. Editora Bagai, 2024.
CAMATTA, Maria de Lourdes Aparecida Novich. Gamificação como metodologia ativa no ensino de ciências. Lumen et Virtus, v. 16, n. 47, p. 3093-3107, 2025.
CAROLEI, Paula; TORI, Romero. Gamificação Aumentada Explorando a realidade aumentada em atividades lúdicas de aprendizagem. TECCOGS: Revista Digital de Tecnologias Cognitivas, n. 09, 2014.
CASTRO, Eliziane Rocha et al. Impactos da Gamificação na Formação de Professores: Um Estudo de Caso à Luz da Teoria da Autodeterminação. Cadernos de Educação Tecnologia e Sociedade, v. 17, n. 3, p. 978-1006, 2024.
COSTA, Everton Garcia. Tendencias contemporâneas em Educação Superior a Distância no mundo e no Brasil. Espacio abierto: cuaderno venezolano de sociología, v. 25, n. 3, p. 267-290, 2016.
COSTA, Tiago Nascimento da. Uso de metodologias ativas e recursos educacionais no ensino de história em cursos técnicos integrados do IFAC. 2022.
DANTAS, Gabriel Assumpção Firmo et al. Aprenda a identificar e diferenciar gamificação e jogo sério. Revista Conexão na Amazônia, v. 3, n. Edição especial, p. 50-66, 2022.
DZIUBAN, C., GRAHAM, C. R., MOSKAL, P. D., NORBERG, A., SICILIA, N. (2018). Blended learning: The new normal and emerging technologies. International Journal of Educational Technology in Higher Education, 15(3), 1-16.
FONTANA, Marcele Elisa et al. Modelo teórico para desenvolvimento de jogos sérios associado ao conteúdo curricular na educação superior em engenharia. In: Congresso Brasileiro de Engenharia de Produção. 2023.
GUIMARÃES, Ana Beatriz Cobra et al. Jogos sérios como ferramentas para desenvolver soft skills no ambiente de transformação digital. 2025.
HEIZER, Perla Carvalho Gonçalves et al. Metodologias ativas e os desafios enfrentados pelos docentes. Revista Tópicos, v. 3, n. 24, p. 1-16, 2025.
HODGES, C. et al.. The difference between emergency remote teaching and online learning. Educause Review. 2020
KUYVEN, Neiva Larisane et al. Chatbots na educação: uma Revisão Sistemática da Literatura. Revista Novas Tecnologias na Educação, v. 16, n. 1, 2018.
LEMES, David; SANCHES, Murilo. Gamificação e educação: Estudo de caso da Escola Quest to Learn. Anais do SBGames, p. 1237-1240, 2016.
LIMA, Bruno Gadelha et al. Explorando o potencial da realidade virtual e aumentada na educação: Inovações e aplicações práticas. Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação, v. 11, n. 1, p. 2005-2023, 2025.
LIMA JÚNIOR, Elias Leandro et al. A UTILIZAÇÃO DE REALIDADE VIRTUAL E AUMENTADA PARA APRENDER. LUMEN ET VIRTUS, v. 16, n. 46, p. 2907-2921, 2025.
LIMA MAIA, Bianca; LIRA BRANDT, Artur Antônio Melo. Relato de experiência: realidade aumentada como ferramenta à dialogicidade da escrita criativa em sala de aula. Olhar de Professor, v. 27, p. 1-25, 2024.
LOPES, L. M. D.; VIDOTTO, K. N. S.; POZZEBON, E.; FERENHOF, H. A. Inovações educacionais com o uso da realidade aumentada: uma revisão sistemática. Educação em Revista, [S.L.], v. 35, p. 25-27, dez. 2019. FapUNIFESP (SciELO)
MEDEIROS JR, R. Nonato; NAIA, M. Duarte; LOPES, J. Bernardino. Simulações interativas do PhET nas práticas de ensino da física: uma meta-análise. Revista Brasileira de Ensino de Física, v. 46, p. e20240186, 2024.
MIRANDA, Maiara et al. Avaliaçao de conhecimento em jogos sérios: Uma revisao sistemática de literatura. Simpósio Brasileiro de Jogos e Entretenimento Digital (SBGames), p. 513-525, 2023.
OLIVEIRA, Marcos Dione et al. Gamificação, Inteligência Artificial e Realidade Virtual: O Futuro da Sala de Aula, já chegou!. ARACÊ, v. 7, n. 4, p. 15954-15968, 2025.
OLIVIERI, Carlos Eduardo; ZAMPIN, Ivan Carlos. A importância das aplicações das metodologias ativas em sala de aula. Revista Educação em Foco, v. 16, p. 1-19, 2024.
PEREIRA, R. de L.; SILVA, A. G. Crítica a metodologia tradicional expositiva. Anais I Congresso Nacional de Educação, 2014.
PILLAR, Analice Dutra; DORNELES, Bruno. A gamificação e suas críticas: uma leitura dos jogos a partir da arte-educação. Antares: letras e humanidades. Caxias do Sul, RS. Vol. 12, n. 28 (dez. 2020), p. 341-365, 2020.
QUADROS, Mariella Maia; MUROFUSHI, Rodrigo Hiroshi; PEREIRA, Cláudio Alves. Realidade virtual e aumentada (RVA) no ensino técnico nas áreas de elétrica, mecânica e civil: Uma revisão da literatura. Revista Prática Docente, v. 6, n. 3, p. e091-e091, 2021.
RAMOS, Dayana Passos et al. Gamificação e motivação no aprendizado. RCMOS-Revista Científica Multidisciplinar O Saber, v. 1, n. 1, 2024.
RIGOR, Daniel. Desenvolvimento de Aplicação para Apoio à Aprendizagem de Engenharia de Software. Tese de Doutorado. Instituto Politécnico de Castelo Branco, 2024.
ROSA, T.M.R. O uso da gamificação para o aumento da motivação de alunos em sala de aula. UFRS, 2019.
ROSA JÚNIOR, Orlando; OLIVEIRA, Tiago; ZORZAL, Ezequiel Roberto. Uso da Realidade Aumentada e gamificação para apoiar o ensino de eletroeletrônica. Educitec-Revista de Estudos e Pesquisas sobre Ensino Tecnológico, v. 7, p. e166921-e166921, 2021.
SBGAMES. Gamificação e Educação: Estudo de caso da Escola Quest to Learn. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE JOGOS E ENTRETENIMENTO DIGITAL, 2016, São Paulo. Anais eletrônicos. São Paulo: SBC, 2016.
SEFTON, Ana Paula; GALINI, Marcos Evandro. Metodologias ativas: desenvolvendo aulas ativas para uma aprendizagem significativa. Freitas Bastos, 2022.
SILVA, Crispim Luiz Martins; LIMA, D. A. Revisão sistemática da literatura a partir dos termos gamificação e jogos sérios na educação a distância. In: V Workshop em Tecnologias, Linguagens e Mídias na Educação. 2020. p. 481-497.
SILVA, João Batista da; SALES, Gilvandenys Leite; CASTRO, Juscileide Braga de. Gamificação como estratégia de aprendizagem ativa no ensino de Física. Revista Brasileira de Ensino de Física, v. 41, n. 4, p. e20180309, 2019.
SILVA, Jonathan Felipe et al. A integração da Realidade Aumentada como ferramenta educacional na formação em engenharia mecânica. Ensino de Ciências e Tecnologia em Revista–ENCITEC, v. 15, n. 2, p. 53-72, 2025.
SILVA, Lays Rosiene Alves; QUEIROZ, Ruy José Guerra Barretto. Aprendizagem baseada em jogos: Uma reflexão sobre o modelo de currículo da Quest to Learn. In: Workshop de Informática na Escola (WIE). SBC, 2014. p. 86-90.
VOSS, Gleizer B.; NUNES, Felipe B.; MEDINA, Roseclea D. Proposta de um jogo sério para o ensino de redes de computadores no ambiente virtual 3D OpenSim. 2013.